segunda-feira, 31 de agosto de 2009

santo anjo

Me falaram que em São Paulo eu ia endurecer o coração. Que iria ter que criar uma crosta, que era praticamente uma obrigação. Sorri há pouco. Cheguei à conclusão: não quero, não vou mudar. Porque esse é o melhor trunfo que a vida me deu: o coração aberto, a verdade derramando dos olhos. Meus sentimentos são braços, puxam as pessoas pra perto, minha paixão por construir laços ao invés de pistas de asfalto também já me levaram longe. Foi sendo o que sou que conquistei também o melhor das pessoas, que mostrei algo de diferente a elas, que me senti cumprindo meu caminho. Nasci de alma aberta, sem muita proteção. E ao invés de fragilidade, sinto ao contrário: há tanta força nisso. É com essa força que desarmo a proteção e a casca de tantas pessoas, que sofrem em ter que usá-las. Minha alma já é expandida, não volta ao tamanho de um embrião. Não dá para dobrá-la e guardá-la em um terno qualquer, uma capa de chuva. Não há medo em ser assim, aberto, verdadeiro, eu insisto, para que parem de divulgar essa informação. Há muita força em amar, há fortaleza em se fazer presente, em enxergar o outro, por trás das roupas de escritório, por trás dos contratos, emails, noites de solidão. E há uma proteção terna e silenciosa, como abraço de anjo. Posso enxergar o ritmo de quem é diferente, posso entender suas limitações, seus instintos, e caminhar mais devagar. Tocá-lo com leveza, mostrar-me menos. Sem, no entanto, querer sem quem ele é! Se tem uma coisa para se temer é isso: abrir mão de si, unir as arestas em uma caixa lacrada e escura. Haveremos de aprender a nos proteger, claro, mas não a se esconder, nem a abrir mão do que melhor temos. Serei inteira, serei presente, acessível, amável, curiosa e capaz de me doar. Serei quem sou, consciente disso, a cada manhã que acordar. Não fazemos redes contratuais nesse mundo, fazemos amigos, escola, história que emociona. Deixamos sinais, transformamos vidas, nascendo com cada um. Marcamos pelo que somos, não pelo que tivemos medo de ser. Sabe o que eu acho? São Paulo tava até precisando de um bocadinho de amor.

domingo, 30 de agosto de 2009

Despedida ( um pedaço tão pessoal)

Ainda se fosse a despedida de uma cidade, da minha cidade. Dos céus nos quais acordei, nos ombros que descansei, mãos e braços que me fizeram ter forças para me erguer sobre as pernas. Mas é mais. É uma despedida de mim. Deixo, em algum canto do playground do meu prédio, a menina acanhada que tanto teve medo, mas que sempre guardou um tanto de amor.Deixo a menina que bagunçava as idéias e as roupas, e procurava caminhos e ruas, tentando se encontrar. Deixo alguns dos amigos, mas levo comigo o sorriso e amor de cada um deles. Deixo as cores da cidade, mas levo todas que já estão pintadas em meu coração. Deixo no travesseiro alguns sonhos de ontem, algumas mal-dormidas noites, mas acordo, para viver os sonhos que escolhi. Deixo uma estrada bonita pra trás que, apesar dos capítulos de dor, foi escrita sob a luz do sol, e eu sou esse sol. Dou adeus a tudo que minhas paredes escutaram: os choros, os medos, as preces, as minhas confissões celebradas com tão verdadeiras alegrias. Deixo a história do que fui, e vou fazer a história nova. Uma parte de mim chora, ao se despedir da menina, outra parte agradece, pensando no que virá. De todos, de todos, não poderia deixar de fazer essa despedida de mim. Saio como a menina que fui, e vou como uma folha em branco, meu amado branco em alma virgem, me transformar na mulher que sou.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Som


Dizem os que escutam: a minha existência tem um som todo dela. A minha alma toca com as suas dezenas de pontas, tilinta em cada movimento. Ainda que não se possa vê-la, como ocupa espaços em barulhos. Como preenche os vazios em notas e pestanejar de cílios. Mesmo que não sejam em palavras, minha vida tem seu canto. Ecoa boa parte de mim com vontade em direção às janelas. Toco, feito corda de violino, na alma de outras pessoas, dedilho suavemente para que amoleçam os amores e não se cansem os sentidos. Arrumo cifras com o barulho da noite, do riso, com aquilo que os olhos não conseguem dizer. Minha alma junta tantos ruídos, sabe das músicas dos copos, do peito (se apaixona por esta, encosta o rosto). Sabe do som terno e quente que passeia entre os móveis, que desce desenrolando-se pelas escadas, que ocupa cozinha e quarto como uma boca larga. Vejo a música mansa rodear as pessoas em um abraço atoalhado, como a criança que se enrosca.
Essa é a mania da alma minha: ultrapassar suas linhas, se espalhar em quadrados e cantos, dobrar esquinas. Onde o amor se instala, tudo cala: mas é somente para sentir sua beleza. O silêncio do amor é dito. É tanto. E o meu compõe, ainda que dormindo, o tom de mais uma tarde.

Salto

Ser só é mais seguro. Não ter sonhos também é. Talvez seja melhor manter o pé embaixo do lençol em vez de lançá-lo ao chão frio. Ou nunca crescer, ignorar a teimosia dos ossos. Talvez seja melhor não mudar de cidade em tempo algum. Ou não aprender uma língua, pra não ter que lidar com gente estranha. Talvez ter sempre um braço em volta dos seus seja o mais seguro e morno. Levar sempre o celular para onde quer que você vá. É aconselhável também ir a festa antes das seis, voltar antes das duas. Talvez não amar seja muito mais seguro. Dá até para respirar aliviado. Não ter filhos, logo depois. Talvez tudo isso dê uma extrema sensação de conforto e paz, amparado pelas velhas paredes, mobília-família. A única coisa chata nisso tudo é que eu não conheço ninguém que acorde sonhando em ser seguro. Não se ensina a ter certezas. A graça da vida é justamente o que você faz na falta dela. Criamos nossos filhos para a felicidade, não para as respostas prontas. Para o salto, não para o chão.

De uma coisa fico certa: a vida é um vôo. E o princípio básico para se lançar ao ar é não se segurar em nada.

Faça comigo: abra os braços, encha o pulmão e experimente viver.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009