sexta-feira, 26 de junho de 2009

Duas

Estou aqui descansando do último assoeiro e pensando. Engraçado minhas contradições: minha densidade é leve, enquanto minha fraqueza é volumosa demais para se suportar. Quando existo com força, invadindo todas minhas pequenezas, de olhos tão abertos de caber o mundo, ninguém precisa conter, nem espremer os dedos para segurar. Flutuo, ainda que tomada de tanta energia. Mas se sou frágil, se esmorece o peso de mim como cachôa um balão, não são muitos. Quem pode verdadeiramente carregar? A minha leveza, de longitudinais escuros, precisa de calma. De olhos atentos, joelhos preparados. Precisa de alguém que saiba quando eu não sei viver direito. E entenda que isso não é um defeito. É preciso aprender a lidar com minha ausência por valiosos momentos. Não a ausência do que sou, mas da pessoa tanta que se conheceu. Da voz altiva, de muitos barulhos e presenças. Entender que naquele silêncio murmuroso também está tanto de mim. Que minha tristeza às vezes quer chorar, quer também ter o direito de ser, com pouca ou nenhuma razão. E essa tristeza não é mais do que o convite para a alegria.

Por trás da mulher há só uma menina. Assim como na menina mora a força estúpida de uma mulher. Quem saberá lidar com o nome das duas? Quem entenderá o pedido de um colo acalmado, quando se espera desfiles e guarda pronta? Quem compreenderá que não tendo, me tenho. Mas que tendo, tenho também o que temer – e por isso me assusto. Quem descobrirá que também perco um pouco de mim quando tenho você. Sob que olhos vou poder me reconstruir sem vergonha? Desfilo com tamanha alegria essa estranheza ímpar de mim. A borda fina circundando a flor, seu próprio limite e fragilidade. A grandeza que desfruta o sol, em imensidões transbordantes da própria língua. Com que maravilha rodeia minha existência, certa de sua dualidade, de seu equilíbrio harmônico ferido e nascido. Eu sei. Não é simples. Não é para qualquer braço, para qualquer papel ou ponta, para qualquer alma de boa vontade a arte de lidar com tudo isso. Assim como eu, há que se ter o dom que nunca foi pedido. E amar o encontro, acertar no cuspir das cores, desencantar os segredos da fala. E tudo assim: com muita naturalidade.