segunda-feira, 29 de junho de 2009

Duas considerações recentes

Sobre o amor

1. Mulheres não se apaixonam por homens. Mulheres se apaixonam por intenções.
Quanto aos homens, nem sabem quem são.

1.2 Se o amor fosse merecido, somente merecido, muita gente seria feliz de verdade ou ninguém amaria ninguém?

É só.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Duas

Estou aqui descansando do último assoeiro e pensando. Engraçado minhas contradições: minha densidade é leve, enquanto minha fraqueza é volumosa demais para se suportar. Quando existo com força, invadindo todas minhas pequenezas, de olhos tão abertos de caber o mundo, ninguém precisa conter, nem espremer os dedos para segurar. Flutuo, ainda que tomada de tanta energia. Mas se sou frágil, se esmorece o peso de mim como cachôa um balão, não são muitos. Quem pode verdadeiramente carregar? A minha leveza, de longitudinais escuros, precisa de calma. De olhos atentos, joelhos preparados. Precisa de alguém que saiba quando eu não sei viver direito. E entenda que isso não é um defeito. É preciso aprender a lidar com minha ausência por valiosos momentos. Não a ausência do que sou, mas da pessoa tanta que se conheceu. Da voz altiva, de muitos barulhos e presenças. Entender que naquele silêncio murmuroso também está tanto de mim. Que minha tristeza às vezes quer chorar, quer também ter o direito de ser, com pouca ou nenhuma razão. E essa tristeza não é mais do que o convite para a alegria.

Por trás da mulher há só uma menina. Assim como na menina mora a força estúpida de uma mulher. Quem saberá lidar com o nome das duas? Quem entenderá o pedido de um colo acalmado, quando se espera desfiles e guarda pronta? Quem compreenderá que não tendo, me tenho. Mas que tendo, tenho também o que temer – e por isso me assusto. Quem descobrirá que também perco um pouco de mim quando tenho você. Sob que olhos vou poder me reconstruir sem vergonha? Desfilo com tamanha alegria essa estranheza ímpar de mim. A borda fina circundando a flor, seu próprio limite e fragilidade. A grandeza que desfruta o sol, em imensidões transbordantes da própria língua. Com que maravilha rodeia minha existência, certa de sua dualidade, de seu equilíbrio harmônico ferido e nascido. Eu sei. Não é simples. Não é para qualquer braço, para qualquer papel ou ponta, para qualquer alma de boa vontade a arte de lidar com tudo isso. Assim como eu, há que se ter o dom que nunca foi pedido. E amar o encontro, acertar no cuspir das cores, desencantar os segredos da fala. E tudo assim: com muita naturalidade.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

De volta pra mim




Das muitas meninas que existem em mim, todas agora descansam, no fôlego largo da minha varanda branca. Me vejo assim, do jeito que mais gosto: descabeladamente feliz. Nem mesmo a cachoeira de pedras finas no fim da rua me assusta. Ao contrário: os estalos compõem o som que me adormece. O silêncio da tarde é meu. A conversa das crianças recheada de recreio, sozinhas de risos, é minha. O canto pós-chuva dos passarinhos pontuando as sensações, a cada suspiro, é meu também. Tudo, tudo que dança nessa tarde mansa – leitosa, entregue- é meu. Hoje faço questão de ser isso. E me alegro, com um alívio estendido, em não precisar ser mais.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sem explicação.


As histórias não me são perigosas quando me existem. Não, nenhuma delas. Nem quando o sol sangra lá fora. Nem quando a noite cai, me engolindo, e nos transpassando com dúvidas. Ferros, figas, dragões. As histórias me são perigosas quando me fogem. Quando escapam, somem de minhas mãos sem pontuar, me deixam em pé sobre livros vazios. Sem falas, sem choros. Eu sei viver cada linha de história, ainda bem, eu sei viver! Mas não sei o que faço com a retirada, com o vácuo que é tão presente em nós, que é quase como se fosse a própria história. Às vezes dói, às vezes ama, encorpada ausência. Esse intervalo, o lastro de um tempo não mais, me incomoda. Como se eu vivesse ao mesmo tempo duas, mal vividas: nem estou aqui, cuidando da fila da pão, nem estou lá, onde quero estar. As linhas se retiram, mas deixam os sentimentos. Esquecem os cheiros pendurados em nós. Deixam vestígios, roupas pelo chão, vez ou outra sem retrato. O que fazemos com tudo isso? Como montamos. É difícil entregar ao mundo, com a mesma liberdade com que aceitamos. É difícil ser tão líquida como a vida, deixando-se escorrer, deixando-se levar. Entendendo que tudo vem e passa e acontece, formando figura lá fora e no universo de mim. Que somos nós senão essa coisa também tão espalhada, feito o instante, feito o segundo. Somos a mesma coisa por onde as coisas correm. Com mais amor, com mais pessoalidade. Respiro, assim, como um suspiro ou um consolo, esperando do mesmo tempo que veio me trazer. Aguardo silêncios de bondes, de trens. Revivo uma despedida algumas vezes, até crio, só para ter um pouco mais. Tento descobrir como é que se faz, porque deve ser a parte de crescer. E acostumo a meus pés, de um jeito natural, a levantarem-se da última pegada, deixando cair flocos de terra, ainda tão sujos - eu diria contaminados de tanto ontem, para seguir sem paradeiro, certos apenas, desse movimento.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Poema caipira

(inspirado em uma chefe bem cosmopolita)


E quanto mais

a mulher me empurra

Mais eu enteso

Feito burro n´água

Mais o ombro prende

Mais o corpo atrasa

Porque o que eu quero

É leseira

Eu nem sei que dia é hoje

Se é sábado, domingo-feira

Eu quero é abrir meu bico

Esticar minhas Penas

Faz um sol danado lá fora

E você cheia de caramiola

Me deixe ouvir o tilintar da vida

O zinoim do tempo

Meu ritmo hoje é marcado

É um jingado quase lento

Eu quero é um aconchego de lado

Demorar na risada gostosa

Molhar meu pé, encharcar palavra

De qualquer coisa melada e enjoada

E você com essa cara

Sem entender nada

Veja, já é sexta-feira

Me deixe esticar meu cangaço

E se tiver um motivo pra rir

Descanse esse muro

Estenda esse braço

E me encontre, mulher

Que não há motivo

Pra tanto

estardalhaço.

Mesmo assim eu vou vivendo
de um jeito bom e atrapalhado
sabendo o tanto que a gente vive
e amando o tanto que é inventado.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Preciso dividir-me


E eu, como sempre, querendo parar o mundo para contar das duas taças sobre a mesa, e da maneira como o mundo de repente me pareceu escorregadio, como se toda frase fizesse cócegas e descesse deslizando pela minha pele até se enroscar, atrapalhando meus pés. Era só um dia normal, com as campanhas sobre a mesa, mas eu queria mostrar da largura do meu sorriso, do momento em que eu consegui, bravamente, fazer até o relógio de Londres parar – sorrateira na madrugada, deve dar nos jornais. Mostrar que eu sei, eu possuo a habilidade de fazer isso: mandar nos ponteiros, paralisar rotinas se alternando em carrossel, uma depois da outra. Fora isso, ainda tinha o perfume, como eu iria olhar matérias tão estampadas nas caras, tão cotidianas, bom dias tão envelhecidos, se o meu dia não tinha nada de comum? Sinto pena, tão doce alegria que nem merece morrer em mim, sem poder colocar as pernas para fora de minha boca, convidar mais umas pessoas para um papo de cordas, tomar um ar pelo buraco onde eu respiro. Alegria também quer escapar, como a gente quer, em uma segunda à noite, sem lugar aberto pra ir, sem hora permitida, com a chuva ainda assim acontecendo, e a gente inventando. Inventando sem fim. Aquela hora atípica, aquele dia intervalo, aquela liberdade quase mágica de quem sabe que a vida espera, a vida sabe que vai ser criada. E se arruma pra ser.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Para Carol levar na viagem




Sorridente movimento. Sente. Tanta alma escapando entre os dentes. Tantos meninos em um mesmo olhar. Tantas vidas em pontas de dedos, que quase grita a pele. Há tapetes de nuvens lá em baixo, mas aqui dentro não há gravidade. Só leveza, é só o que tem. Soltamos os pés devagarinho, mas algo em nós já caminha longe, pulou com o vento do trem. Apertamos papéis para que o tempo passe, vai de um lado pra outro uma conversa de caixinha, em breve seremos nós. Lá fora neva, carimba, canta, faz frio, deixa escorrer sonhos mornos pela janela. Mas não temos coragem de colocar tanta poesia por trás da cortina, espiamos tudo, metade de nós do lado de fora. E se embaça, é o respirar da vida, suspira ela. Olho para a porta: uma mala é sempre uma. É sempre pouca, porque levamos o que somos e voltamos infinitos. Nunca nos cabem as vontades dobradas em uma mala só, etiquetada. E nunca comporta as experiências, as risadas nas escadas, os silêncios entre os braços, ou pagaríamos excesso de peso. A graça é ser viajante, é ser tudo tão livre, tão presente e despedido, como passam os postes acobreados, as crianças vermelhas, os olhares, os artistas. Como rodam as músicas, os abraços. Tudo passando em volta de nós, e a gente como que girando, querendo segurar o mundo por mais instantes. (E é bom saber: uma parte dele também fica para sempre, viajando em nosso peito). Há tanto para se ver - diz para si mesmo. Voe. Eu finjo de conta que não vi. Pode fingir ser o que não é, pode viver outras, pode amar sem nem saber que ama. Sem contar as medidas, sem. Estire-se sobre uma grama. Volte cheia. Volte ainda rindo, sem saber muito o caminho de casa. Volte se perguntando de tudo isso, entretanto, será, porque quem descobre fica assim, inquieto. Quem sabe, não te encontro ainda por lá, decorando uns postais ou pintada nos selos. Quem sabe não te encontro lá, tão misturada ao velho som de um violino. Quem sabe não há cores todas trançadas na volta do seu cabelo. Porque se Paris chega a você, quanto de você derrama em Paris. Nunca mais será a mesma, não sairá intacta desse encontro, ingênua cidade. Vive. Escuta esse som desnudo: vive. Porque isso é o melhor que posso te desejar, e por sorte, é tão seu.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Para o meu gordOsho pai

Tão gratuitamente me é dado tanto
Que só em pensar
Tudo em mim é leve, é manso
Em ler suas letras posso te ouvir
Com o mesmo tom de voz e de amor,
Como se falasse na rede, há anos atrás
Mas acontece – e encho os olhos
Que hoje ainda te amo mais
Por vezes me perco na idade
Somente olho
E me parece um menino
Mas teu amor é antigo
E guarda a sabedoria
de um ancião
Como me preencho em tuas mãos
Que saudade sinto em tanto silêncio
Sonho, como sonho
em um dia ver seus cabelos se tornarem claros
Como clareia a manhã e aura
Os campos de trigo
Confessando um perfume tão doce
Quanto a poesia de sua calma
E ver que em tão lentos passos
E em tão brancas mãos
Mora ainda o mesmíssimo sorriso
E aquele que amei,
Que sempre amei,
Teu coração.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Eu penso ao invés de


E sentir essa coisa tão simples e alegrina ao invés de. Tantos medos, tanto tempo engavetado. E olhar o sol ao invés de contar do escuro que tenho visto entre as pálpebras. E esquecer da dor, ao invés de tratá-la bem, com tantos cuidados, com tantos olhares. Dor é como gente: quando bem tratada não quer ir embora. E simplesmente abraçar porções de amigos, cantar qualquer beleza da vida, a mais simples, a mais fútil, ao invés de encontrar um motivo para franzir a boca. E arranjar um espaço para esperança, afastando as mobílias do coração, ao invés de viver sem a companhia dela nem de ninguém. Quem sabe com tantos invés, a gente consiga o revés: consiga virar o peito do avesso, de forma que alma fique toda pra fora, estufada e exposta, e vendo a beleza do mundo, se renda e viva com uma vontade imensa. Quem sabe assim, tão protuberados de nós, a gente chegue mais perto de conhecer a grandeza que abrigamos aqui dentro, mas que deseja ser, desde que nasceu, simplesmente livre.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

FOGO NO AÇO
A MOÇA NO VENTO
SE FAÇO QUE PASSO
SOU LENTO, SOU TEMPO
SE OUÇO O CANSAÇO
SOU TEMPO, SOU LENTO
MAS SE DE REPENTE
DESCOMPASSO
SOU AÇO
SOU FOGO NA
CERNE DO VENTO
AÇOITE DE LUZ
SOU ILHAÇO
SOOEI, SOEIRA
SOOU, SÓ ARDE
FLAMEJA NA TARDE
SOU CORDA DE CHAMA
QUE QUEIMA
QUE ARDE
O VENTO DA TARDE
MAS QUEIMA,
QUEIMA.

quinta-feira, 4 de junho de 2009








Eu

Como eu queria que você percebesse a poesia toda que havia no meu vestido branco dançando sobre a minha pele, e na maneira suave que meus pés contornavam a areia e o vermelho, o vermelho forte da ponta dos meus dedos, tão ingenuamente distraídos. Eu queria que você visse como o vento atravessava a mim, atravessava as minhas palavras e preenchia meu espírito e meu vestido branco de tanto fôlego. Porque tudo era tão leve quanto as mínimas flores bordadas, como o cabelo pegando no cantinho da minha boca e a vontade da areia, de ficar agarrada em mim. Era dia claro, claro como o bem, e havia tanto poema naquelas cores todas que eu desejava ser aquelas cores, derramada no verde das gramas, no amarelo caído sobre as pedras frias, extasiado. Eu já sorria, vendo meus pés serem também grãos, vendo meus sonhos serem também fluidos, perdidos em mar. E pensando no dia, naquele exato instante, em que você será também eu, vendo tudo que existe no meu olhar.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Românticos

Seria uma sina dos românticos?
Mais sonhar o amor do que vivê-lo?
Tão pobres, tão sortudos amantes
E quando estão por fim aprendendo,
saindo às ruas, tal cores como são
atravessando faixas e suando mãos
beijando carne e sorrindo ventos
Quase morre o mundo de susto:
Eis que assim mesmo estão sonhando,
De orelhas em pé e olhos atentos,
Feito sonâmbulos de respiração ofegante
Enquanto tu, inocentemente
Está vivendo.

Empurrando as paredes

Tá bom, eu desisto. ( E entro num impasse: é possível desistir de desistir?). Acho que na verdade estou caindo no mesmo erro, mentindo-me, arranhando os bicos. Estou cansada de pequenezas, de morar em esquinas, nos cantos da mesa. Estou cansada de tantos vidros, antes tão perfeitos, redoma de berço, proteção da vida. Cansei. Prefiro então os cacos, os estilhaços. Quero de fato sair, quero provar o mundo, nadar os dias ou engoli-los a fio. Não tenho mais medo porque meu maior medo é continuar aqui, por entre. Posso abrir um buraco simétrico para o ar entrar, mas não. Quero eu invadir o ar, me jogar por inteira para que ele sustente o peso de mim. Ou simplesmente me deixe flutuar.
Quero ser: entregue, jogada, balanço, de peito vigente, de céu estalado, cabelo bandido. Não sei nem por onde começar. Mas cansa ser, quando ser é deixar de ser, é emudecer.

Até quando se pode fingir viver?