terça-feira, 28 de abril de 2009


Se penso que amo,
já não amo,
mas penso.
Se amo sem perceber,
então amo
por um desaviso de dias
por uma inocência de anos
e caminho leve,
embora tão cheia de sentimentos.
Até que eu descobri do que eu estava precisando urgentemente: do dia. Eu precisava do dia ali, no meio da noite. Do azul escancarado do céu naquela hora só minha, de madrugada, para vagar pela cidade deserta e fazer a vida a meu modo. Pouco me importava a companhia, eu queria gastar minhas vontades e estava disposta a construir a cidade sozinha, já que o céu não me acompanhava. Não se abria. Eram 2 horas da manhã e eu queria viver. Queria amanhecer pra mim. Minha psicóloga diria que eu estou querendo mandar até nas horas. Que seja. Estou é feliz de descobrir o que tanto procurava depois de beber o quarto copo de água, na escuridão da cozinha, e simplesmente continuar com sede.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Que gosto me dá ver suas linhas,
ainda que imaginárias ,
Corro para escrever qualquer coisa
apenas pelo prazer de preencher-te.
(Folha, você é mulher,
sabe bem como é.)

Punho

É isso. Eu não gosto de olhar para os meus punhos. Sempre que eu posso, cubro-os com pulseiras grossas, largas e rente à pele. É que eles são assim: finos. Desde sempre, desde ontem de tarde, desde a infância. Me dá uma sensação de fragilidade imensa, como se o corpo já estivesse sentindo ou revelando qualquer das fraquezas que de vez em quando acham de dormir o meu espírito. Parece sempre que eu estou diminuindo, prestes a quebrar, quando na verdade é ele que não sai do lugar. Basta encará-lo para me perder, em plena sinaleira, no meio da minha vida: não sei mais se estou nos 20, nos 30 ou nos 8 anos de idade (E com certeza deve haver um tempo, um bendito ano que não quero voltar). Não comporta um pulso tão fino depois de tantas lutas, tanta coragem, tantos enfrentamentos na minha vida, não é justo. É uma pena que o espírito engrosse, inflame a casca e o punho continue assim. Lembrando sempre minha fragilidade. Minha meninice. Mostrando que no fundo, no fundo, droga, eu continuo embaixo da cama.
Eu prefiro ser assim,
exageradamente eu,
cansativamente eu,
do que um pedacinho de alguém que não nasci.
O silêncio tem muitos tons. Sim, o silêncio. O que incomoda mais não é o vazio de voz, é a seriedade que ele encobre ou transparece. Minha mãe, por exemplo, tem um silêncio muito alto. É quase brutal o silêncio de minha mãe, ainda mais se vem acompanhado de um olhar. É um silêncio que fala, pior, que fere. Mas há de todo modo muitos silêncios. Há vezes em que eu entro na sala e ninguém quer falar nada, nem mesmo com o sorriso, nem mesmo com os olhos, e ainda assim nenhum de nós se machuca. Há um respeito mútuo pelo tempo do outro, pelos segundos em que ele prefere estar nesse estado, ausente do mundo. Há outros silêncios que falam tão forte que se sente, em um raio de quilômetros, em quilômetros de anos, como se estivesse falando no pé do ouvido - mudez entranhada de amor. Há os que não querem dizer, há os que já dizem, só em fazê-lo. Se você prestar atenção, há uma barulheira de silêncio (pouco ou muito suportável). E quanta beleza há em tanto branco. Eu vou aqui, seguindo com o meu, que, hoje, é só de preservação.

domingo, 26 de abril de 2009


É muito difícil amadurecer. E eu não sei nem como lhe prevenir para isto, porque não se sabe se lhe acontecerá na infância, na velhice, aos 41, no meio dos 29 anos, depois de uma grande celebração – o que torna qualquer tentativa de aviso desse texto inútil. Mas uma coisa torna-se certa. Dói. É um fim, por assim dizer, no meio de um começo. Fim de colo. Fim da espera. Fim da certeza. Fim de qualquer que seja, a mínima que seja, resposta. Fim de caminho com alguém, agora é você só. Percebi isso quando só faltei espremer do universo uma resposta, como se agarra os bagaços de uma laranja, e só se ouvia o eco do silêncio. Uma tristeza infindável, uma sensação de daqui por diante “é com você”. E que na verdade sempre foi, só não tinha percebido. Uma sensação de que é você que vai procurar, achar, sentir. Até esse nada, é você que vai sentir. Dói a descoberta. Talvez até mais que vivê-la. Escolher é uma coisa que nem sempre estamos preparados. A mudança, nem nunca fomos apresentados e agora já temos que mandar nela. Vida louca, prova dura. Mas dizem que assim é que se nasce. É assim que se nasce todo dia, porque me parece que a vida conspira todo o tempo e só quer uma coisa de você: que tenha os braços fortes. E não importa mais quantas vezes ela vai sacudir, simplesmente partir a linha do horizonte ou revirar seus meridianos. Pouco importa. O foco talvez seja você. Anoiteço com a dor fraquinha, com os olhos cheios de lágrima, de quem ainda considerava o mundo um berço. Mas respaldada em uma certeza menina que esse separar de chãos ainda vai me levar a algum lugar. Ainda que seja dentro de mim.

Por ontem

Nunca desfiz um texto. Mas você mereceu.

Desatei cada letra enganchada e fui emudecendo o som das vogais. Sufoquei as melhores palavras, enterrei os começos e fiquei com os finais. Rompi os ditongos, hiatos, todo som que vem de união. Chutei para fora da frase toda e qualquer conjunção. Vi o verso perder a rima, vi o poema se endurecer. Nenhuma metáfora de amor cogitou aparecer. Fiz a letra virar linha, fiz a linha se empenar. Borrei com choro a tinta de caneta, torci pro papel não secar. Chorei o início, o meio e aquilo que nunca morreu.

Mas fique com o ponto final. Ele é seu.
Eu conheço uma menina que não palavreia. Que não fala a verdade sobre si mesma, nem mesmo a verdade doce de uma menina de dois anos. Toda vez que a vejo, eu pergunto se está com saudades. Ela nunca responde. Mas se a pego no colo, ela gentilmente deita a cabeça no meu ombro, fecha os olhos e solta os seus braços, como se quisesse fazer parte de mim.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

À LUZ DO DIA

Imagine que crime de amor seria roubar um livro. Colocar por trás da blusa, suar frio por suas páginas. Secar a boca e apertar frases contra o peito. Imagine que crime mais delicado: roubar para ler Vinicius de Moraes. Para entender um soneto de Camões, para ler sobre o Garrincha, que seja. Enfrentar pálido o corredor que leva à saída, os olhares do segurança diante de sua maior condenação: querer saber. Tenham piedade desse crime, se tanto quanto carne, fizer o homem se saciar na primeira esquina, sentado embaixo de um poste. Ou se, na penumbra de casa, beijar sua vítima: um livro com cheiro de novo. Ainda que seja um seqüestro, deixe que passem uns dias em cativeiro, trocando brincos, conversando sobre a vida, tendo dúvidas de dicionário, em vez de falar em pontas de faca. Deixe que lhe sirva o café, que lhe faça companhia nessa espera demorada e sem resgate. Ao ler um livro, não se engane: todo mundo foge, todo mundo foge da prisão.
Se está difícil pra você, faça como eu:
chova.
Medo também entra pela veia, feito anestesia. E o sintoma é o mesmo, vai paralisando, muito lentamente, amortecendo suas idéias, arregalando seus olhos. Tem que estar atento à entrada desse visitante na alma. Tão silencioso que só se percebe quando já está na metade do caminho, feito bicho de pele. Não é muito de causar rebuliço, sua arma é a sonolência. É a palidez. Gosta mesmo é de roubar roupas e vontades que são suas e de colocar você para assistir. Gosta de secar a sua voz. De apertar o coração. E o pior de tudo: de fazer você achar que é de nascença, quadro normal. Muito cuidado com ele. Ao menor sinal de apatia, de olhos perdidos em horizontes, de desistência da bateria da vida, cuspa. Não caia na tentação de uma resolução amigável, nem de se acostumar com sua companhia. Faça um talho na mão pra que pingue vermelho e procure o primeiro espelho para lembrar bem quem você é.

Perigosamente distraídos

Porque nós enrolamos, meu amor, nesse nosso amor irresponsável, nesse nosso entrosamento de interesses, na arte cínica de negar o que se quer. Porque eu não mereço um trecho dos seus lábios tão francos na mentira, nem você merece meu querer somente, tão raso e tão impróprio, tão ausente de qualquer razão. Porque nós só merecemos a agonia boa do instante e o pensar pequeno do segundo, se é que existe um momento que consegue viver sem os outros. Porque disso tudo só ficou um risinho e mais uma história boa pra contar e mais uma piada pronta que é essa coisa louca da gente querer se olhar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

terça-feira, 21 de abril de 2009


TUDO QUE AMO DEMASIADAMENTE de repente nada. Não é um abuso da coisa em si, da figura amada. Mas do meu próprio desespero, do meu suor e rubro nas bochechas, do meu arfar em tentar prender o instante com as mãos, do ardido nas coxas, dos olhos incansáveis no mesmo alvo, faça pedra, faça chuva, faça tombo, faça sonho, faça pão. Me canso não dele, mas de mim. E quando então explodo, em um ódio autêntico e descompensado, que espalho cada átomo dessa paixão, volto então serena. Feito chuva mansa, feito cachorro magro, que depois de dias, acha o caminho de casa e reconhece, enfim, o seu dono.

Complicações

Como pode, meu Deus, tão estranha natureza? Com tanta leveza nos pés e uma aplicação tão complicada? Como pôde colocar em um só lugar a giganteza do amor e a miudeza das perguntas? Como se não soubesse que a paz, em sua sonolência, não aceita o passa-passa da inquietude. E que toda alegria precisa de ar e de fome e de espaço, ainda que tenha que empurrar os pensamentos. E que o amor, com sua fama incondicional, não é lá muito de diálogos nem adepto da razão. E pusesse, meu deus, as duas coisas juntas: a pluma no meu peito e a interrogação nas minhas mãos.

Do mau humor

Mau humor é o empurrão que se faz para dentro para segurar o arruaceiro das vontades.

Mau humor é a força que se faz para dentro para conter tantas palavras indignadas.

domingo, 19 de abril de 2009


Eu queria que você me acontecesse em um Café Literário. E entre o som tão hipnótico de todas as palavras, eu encontrasse, entre vírgulas, o seu olhar. E de repente, nem mais um verso, nem mais uma rima, ainda que toda prosa, nenhuma frase interrompida ou respeitoso sermão. De repente só o discurso desenrolado e cheio de improvisos do nosso silencioso sorriso. E só a calma percorrendo a sala, como um amor que corre sem linhas, contornando tantas aspirações. De repente uma brecha, nessa nossa paixão tão literária, para um encontro de amores não-desenvolvidos, não vocabularizados, nos permitindo suspirar um poema inteiro, todinho feito de intenções.
A escrita não teve em mim um nascimento (se teve, desconheço). Creio que achou de se agarrar em minhas entranhas, de voluntariamente se misturar em minhas sedas, e de tão apaixonada, sem causa ou razão, pela minha pessoa, se tornou um emaranhado de mim mesma, e me acompanha em toda soma de emoções, em todo soluço de vida.
Talvez as noites chuvosas sejam para isso. Para abrir a janela de dentro, ver se há mais paz ou tristeza. Se há alguma mágoa, a poeira de alma. É uma emboscada da natureza, uma pausa para se refazer. Um remédio pra quem desconhece o próprio espelho, as mudanças do seu cheiro. É um favor do tempo para que se possa criar coragem de viver consigo mesmo. Não quer dizer com isso que o silêncio cure de imediato ou que a chuva lave a dor que se apresenta. Mas o papel de tanto escuro é clarear. A função de tanta gota é transbordar. Alguma coisa aí, dentro de nós. Quem escuta a chuva, com resignação, aprende a ouvir o próprio canto. Tateia a paz com a ponta dos dedos, descobre a forma que tem. Fecha os olhos com calma e reúne o corpo inteiro, num abraço que aquece. E aproveita, em céu tão nublado e horizonte tão turvo, para enxergar com singular clareza como anda o seu caminho.
A arte de viver está no seio.
Deixe que corra
sem lares, sem modos,
sem freios.
Há que se amar o amor
no ontem e no hoje

e em cada instante.
Porque o amor é o mesmo.
O que muda
é o semblante.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Filho já nasce gente. Por mais difícil que seja acreditar. Persistente, preocupado, vezes silencioso por natureza, calmo sem remédio, como se já conhecesse a vida, mesmo que tenha acabado de chegar. Mal olha você nos olhos e já emite uma opinião, estalada e certeira, derrubando por terra a sua ilusão de poder escolher o mundo para ele. Filho nasce com sua sabedoria, seu mecanismo original e indecifrável de lidar com o mundo, atravessando, sobrevivendo, acalentando com a ponta dos pés ou transformando. Ao passo que se ensina, se aprende tanto. De onde surgem o magma dos filhos? Quem os fez como são, com sua graça, sua poesia escapando entre as janelas dos dentes? Tanto de gente em tão pouco corpo. Tanta vida em tão delicadas expressões. Tanto amor em tão pequenos olhos. E de onde nascem as mães? Filho já nasce gente, se percebe, mas mãe não nasce mãe. De onde tiram o sim, eterno e teimoso, que enfrenta o peito robusto dos anos, tão forte quanto o próprio amor? De onde inventaram essa mania de estar sempre presente, uma fidelidade voluntária, um compromisso que as faz renunciar, muitas vezes, a quem são. O que as prende? Com que tanta delicadeza passam a vida, voltando os olhos para nós, com a cabeça inclinada em nossa direção, ainda que frágeis? Amor que não se explica, mas que se dilata na alma, ocupando um espaço sem tamanho. Que marca o tempo, que se faz presente, que se faz tão presente, mesmo que ausente – é só fechar os olhos.



Para Minha Mãe, Meu Amor. E para minha Vó Clélia, que emprestou tanta ternura para compor minha alma e que me deixou uma grande saudade.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A natureza me deu lábios finos, bem delicados,
para que eles não tivessem força de prender as palavras.
Tudo para um poeta dura mais. As horas, um encontro casual, um papel voando, a dor, a calmaria. Isso porque vive do que sente, e cuida para que o sentimento vibre, feito corda de violão, por intermináveis segundos, dentro da sua alma. Um poeta sabe capturar: prender entre os dedos uma mínima emoção. Dá-lhe um nome, um lar, uma roupa, um destino. E ainda que tenha alma aberta, feito porta escancarada, é difícil encontrar um único sentimento que queira ir embora. Quando não se apega ao criador, com tantos mimos que recebe, encontra uma saída tão embaralhada que acaba ficando, feito mobília da casa, em algum corredor. O poeta ama de tal forma, e com tanta intensidade aquilo que sente, que seja triste ou contente, idolatra-o com o mesmo amor. É mais do que uma inspiração, é sua companhia nesse solitário trabalho de sentir as abas do mundo. E quando chega a hora da despedida, então o escreve justamente, desarmado e rendido, arruma-o com calma, dissolve-o em linhas, e deixa que corra sozinho, pelos últimos minutos, manchando o papel.

Meu discurso é sem receitas. Hoje, só hoje, abrigo de opiniões. Estendido feito mato, aberto feito céu, amoroso feito gente. Permite que se cheguem, só hoje, sem assustar ninguém. Que deitem em suas músicas, que sintam o gosto de suas rimas. Venham porque ele chama, suas frases são quase um convite. Envolvem sem apertar, cobrem sem prender. Não se nega a alguém assim o gosto da entrega. Peço que vocês estejam hoje, só hoje, tão sem maneiras como ele está.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Se você reparar bem, meu amor, até o mar de vez em quando é deserto.

Depois

Se eu soubesse, quantos mais? Quanto tempo teria deixado o meu lábio encostado na sua pele, se demorando em dizer qualquer coisa? Se eu soubesse, quanto carinho. Teria me perdido sem pressa nenhuma a noite inteira no seu olhar. Teria dito a verdade, mesmo que sem palavras, aberto as mãos. Estaria entregue, inteira, vivendo demasiadamente o agora, sem medo do meu amanhecer. Melhor mesmo é viver. Estou pelo ar, a uma hora dessas, passando pelo lugar onde estivemos – ainda há risos lá. Parei para ver nossa história, porque quando o tempo passa, quão nosso ele fica. Perde a pressa de ir embora, de nos levar. Amei os segundos, lamentei o relógio ao contrário. Imprimi você em minha alma, só para ter certeza que, de uma forma ou de outra, o agora não ia passar.

Sem crachá

Nenhum tinha convite. Não faziam questão alguma de se apresentar. Vinham do bloco do branco. Só tinham a cara, mas pouquíssima explicação. Ninguém sabia muito o que fazer com eles, deixaram que adentrassem o salão. Que comessem o que quisessem e olhassem, no fundo do olho, do primeiro que passasse – azar o dele. A graça não era saber de onde vinham, mas ver do que eram capazes. Ver seu excesso de coragem, sua audácia em revirar tudo, falando alto, criando caso. Quem iria lhes dizer que não podiam? Se tão pouco tinham nome, muito menos boa educação. Enquanto eles estiveram, ninguém mais fez nada. Foi como ser observador na própria festa, salvo um ou outro copo de whisky. A eles, tão donos de si e tão fora da lei, apelidei de sentimentos.

terça-feira, 14 de abril de 2009

A comida mal teve tempo de passar. A vez era mesmo dos pensamentos, descendo embolados ladeira abaixo. Achando que eram os donos da casa, pediram o controle da televisão (e de quebra de todo o resto do sistema). Mal pude ter tempo de reivindicar. Quando vi já queriam meu dia, minha vontade, meus preciosos segundos de paz embaixo do chuveiro. Hóspedes mais insolentes. Eu atrás do silêncio e eles com a sinfonia de idéias. Me mudei. Troquei de casa por um tempo, escondi o endereço. De vez em quando é preciso tirar férias de mim. Se algum deles bater na sua porta, com sorriso na cara, por favor não comente nada. E se gentilmente abrir, lembre: eles podem não mais querer sair.

Preso

Um alfinete alavancado na alma. Um toco bem no meio da garganta. Era minha sensação todo o tempo, num ata-nem-desata. Vontade de parar tudo e descer. Parece que de um dia para o outro você começa a viver errado, por mais intransitivo que seja o verbo. Dá uma agonia de alma, uma espinha no coração (Só que tossindo já vi que não sai). Vou andando meio invocada, chutando lata nos pensamentos. Naquela parada em que você não é sim, nem não. Nada fala do lado de fora, nada explica do lado de dentro. Noite. Aqui também.

Caros Leitores,

Perdoem uma eventual falta de constância, uma briga com o sisudo calendário (nunca fui mesmo muito boa em rotinas). Perdoem a indelicadeza de não lhes trazer toda segunda-terça-quarta-tod0-nome-de-feira um texto novinho, com cara de gente, tão cheio de tanto pra dizer. É que para sentir, não pode haver pressa. Não há lugar. Assim como não se adianta a chegada dos amores, nem se anoitece ao meio-dia, nem se antecipa a saída de um rebento, nem se pede ao outono que acabe logo, nem se socorre alguém são, nem se manda em um batimento cardíaco, nem se estica as pernas de um menino, nem se adivinha as sortes ou infortúnios de um tempo, não há como se viver um texto antes da hora. Porque a matéria do texto é a própria vida. É disso que ele se alimenta, e aceita, convalescido, o seu ritmo. O texto tem sua própria natureza e desabrocha no seu dia, quando já guardou chuvas demais. Resta a nós a paciência que a vida nos pede, quando andamos em linhas, quando escrevemos o destino e nem percebemos. Pra quem vive de alma aberta, não há tempo. Pra quem nasce texto, também não.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Nunca há um tanto de espaço para nós. Nossos olhares imediatamente mudam de calçada (ainda que estejam no mesmo vão). Atravessam. Começamos o texto sempre sem saber as primeiras palavras. Nossos encontros são tão desajeitados, que pairam entre a comédia e o suspense - um susto e os dois saem correndo. Eu sei, eu te desconserto – como se você já não fosse torto o bastante. Você me agonia - como se eu nunca me perdesse na rota. Tenho a sensação de que estamos fazendo cócegas numa hora tensa, num absurdo de hora. Nossos risos surgem tão de repente, que parecem ser uma chegada e ao mesmo tempo uma despedida. Há mesmo que se correr. Há que se voar. Há que ser muito breve para que não escapem, por um segundo, todas as intenções.

sábado, 11 de abril de 2009

Com licença, senhores, meu texto precisa falar. Não se sabe o que, nem o que virá, mas abram espaço para que ele possa chegar. Até agora é como uma criança, que chega no meio do palco e não sabe o que dizer. Mas deixe que ele tenha sua chance. Talvez ele não esteja aqui para ser escutado, mas para te ver. Quem sabe, sentiu falta de você. Senhores, tenham afeição por esse sujeito carinhoso. Sensível demais para sua função. Que de tanta prosa, e de tanto gosto, cansou-se de apenas comunicar. E está com os braços abertos, tentando dizer que aprendeu a amar.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Entre tantos, de repente. Pelo olhar, você já sabe que é igual. Gente como a gente, que parece ter saído da mesma fábrica, mesma série, vindo ao mundo com a mesma missão. Você reconhece pelo sorriso, pelo abraço, até pelo jeito que abre a porta. Aqui dentro, chega a dar uma alegria, íntima e discreta, de ter encontrado nesse mundo tão grande alguém que você já conhece, embora tenha visto agora. A unidade é de alma. A afinidade é de primeira. Os risos são sincrônicos. As palavras são gentis umas com as outras. As piadas são cúmplices. As confissões se compreendem. São pessoas que já têm licença para passar, no quarto, na sala, na portinha do seu coração. E só de ver vivendo, dá uma felicidade, um orgulho, como se você tivesse encontrado a si mesmo. Você torce sem razão. Você ama sem dizer. Você protege sem que ninguém perceba. Entende sem que se diga nada. E mesmo que vocês se distanciem, fica sempre uma energia boa, um eco desse encontro vibrando no tempo. E a certeza, silenciosa, de que cada um tem que seguir, continuar a ser o que é, para andar por esse mundo colorindo o caminho.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Sou grito demais para seu jeito sutil,
Sou gesto demais para seu tom calado.
É que meu amor é assim,
Desengonçado.

Mulher tem mania de amar incondicionalmente. Sim pelo sim, não pelo não. Mulher não pergunta para gostar. Não entende para querer. Não espera para ir atrás. Mulher abraça a vontade que nem é sua. Mulher apara seu choro com beijo, quando não impede você de chorar. Mulher sonha com seu sonho. Ri com sua risada, mesmo que não tenha assim tanta graça para ela. E apesar do homem ser o tal do protetor, é a mulher que cuida, que guarda, que se debruça sobre sua vida como ninguém. Mulher nasce sabendo amar. Não que isso faça ela deixar de ser quem é. Mas é que ser mulher é irremediavelmente ser amor.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Para que se escreva, viva. Dê a sorte de entre uma esquina e outra se apaixonar. Sem muito, sem razão. Para que se escreva, ame. E gire, e declare, com ou sem megafone na mão. Pra que se escreva, estenda a mão até sentir o calor da outra pessoa. Dê uma risada sem hora, que hora nenhuma é calculada nessa vida. Para que se escreva, solte: os braços, as pernas, o tudo, a imaginação. Para que se escreva, pare. Só para ver um pouquinho o sol se despedindo. Para que se escreva abrace, mesmo que à distância. Viva, mesmo que nos intervalos. Gaste, mesmo que conversa. E brinque e dance e seja. Deixe os pés livres. Siga amando a natureza ou respeitando a sua. Para que se ame. Para que se chore. Para que se pinte. Para que se ria. Para que se desça a montanha-russa. Para que se grite. Para que se escreva: sinta.
Desculpe a minha falta de vontade para a segunda-feira. Para o feijão marrom. Para a sinaleira. Para o nescau com pão. Perdoe essa minha insistência em abrir um buraco, e sair do outro lado da porta, do mundo, da rua. Ando desenhando em cima dos relatórios e das faturas de cartão. Ando dobrando canudos e fazendo esculturas com arame de biscoito. Olho para o relógio e não vejo sentido: quem deveria estar caminhando era eu, não ele, o ponteiro. Perdoe essa minha briga com o comum, talvez seja só preguiça pra fazer qualquer coisa que não dá vontade. Tudo na vida deveria ter entusiasmo. Eu sei que é um sonho, eu sei. Mas quão bem-feitos seriam os pães, as ligações, as entregas de pizza, as faixas pintadas no muro. Queria pôr um pouco mais de arte nos dias, porque arte é o espaço arranjado para a imaginação. Eu me alio aos cobradores de ônibus, que andam para os caminhos todos e não vão a lugar nenhum. Aos caixas de banco, que entregam dinheiro e quase nunca participam da realização dos sonhos. Aos vendedores de bala que não podem perder tempo sequer mascando chicletes. A eles, minha verdadeira solidariedade. Há que se ganhar a vida, eu sei. Mas há que se colocar mais vida no dia que se ganha. Interpelar as pessoas, conhecer, gostar do que ninguém gosta, fugir cinco minutos, parar pra ver uma reportagem na tv. E sonhar, como eu, que vai largar tudo para viver do que se tem vontade. Pode ser que não aconteça. Mas esses minutinhos – apenas sonhando- já vão fazer valer muito mais o seu dia.
Vamos fazer diferente então. Pipoca no alho, moqueca com pão. Vamos desligar os motores, soltar os braços, no meio do dia. Cruzar as águas, inventar os cabelos. Vamos fugir de noite sem dar explicação. Venha me pegar agora, sem demora, mesmo que eu não tenha avisado à direção. Deixe eu ouvir outra nota. Falar outra língua. Morar por um dia no país que eu criei. Deixe eu fugir da pressa, esquecer da rota, estender a conversa. Só hoje, cara pintada. Tinta nas bochechas, nada nos pés. Só hoje, deixe o sol nascer ao contrário, a carteira e as chaves no armário. Deixe o azul do céu te cobrir, e amanheça com a noite. Eu peço uma surpresa, uma gentileza, um brinde em cima da mesa, da vida. Quero sentir o que não conheço, me jogar no mar de madrugada. Só hoje não me chame pelo nome. Não me conheça. Deixe que eu seja. Deixe que eu seja. Inteiramente hoje, vem comigo, desobedeça.
Contra a dor, um remédio. Ainda que esteja na velha caixinha branca. Ou embaixo do cobertor. Para esse mal não há aspirina, nem operação. Mal que dói muito mais, que arde na alma, feito merthiolate. Vamos vivendo com a ferida aberta, ou com um ou dois pontos, mal cicatrizados. Vamos vivendo sufocados, às vezes anestesiados, doloridos, com falta de ar, bem embaixo do nó da gravata. Sofremos emergências médicas, quase vamos ao coma, e ninguém nem percebe, no silêncio dos elevadores. Caminhamos chorando, mas rimos para dar bom dia. Não saramos, mas repousamos, diariamente, olhando pra televisão. Ferida de alma mata. Dói até que se encontre uma razão, uma melhora, uma nova condição. Não se acha o diagnóstico fácil. Não sai o resultado nos exames de sangue nem no copinho da urina. No máximo, com a observação. Vamos vivendo arrastados. Esperando que um refrigerante limpe. Que um riso do outro lado da rua sopre, por um instante, o ardido do nosso coração.
Primeiro encontro. É a última página dos contos de final feliz. O primeiro gole do vinho. As palavras exatas peneiradas do dicionário. As promessas que nem precisam ser feitas. Os sorrisos que nem precisam ser convidados. Os olhares já completamente encostados. Os melhores beijos que ainda nem aconteceram. Os clássicos de cinema antes mesmo de serem lançados. Em uma versão com 30, 40 ou 10 minutos. Os palpites de dezenas de palavras não ditas. Os risos que quase fazem parte da música. O silêncio e o perfume. O fantástico instante vivendo entre o que nunca aconteceu e o que quer acontecer. Os passos de dança em perfeita sintonia, mesmo sem levantar. A história perfeita de um fôlego só. O homem de toda uma vida de um nome recente. A mulher que é sua, é a sua, e ainda não é. O fatídico encontro entre o que pede pra ser e o que não se diz. A história desconhecida onde já se conhece o final.
Sede recorrente. Tapeávamos o dia justamente com as horas. De vez em quando levantávamos os lápis, ou os olhos, como se pudéssemos suspender a cabeça o suficiente para ver o sol. Havia um ar frio, um ar condicionado, mas era como se, em dias assim, não houvesse ar algum. Os pés batiam no chão, as pálpebras insistiam em fechar, como se sonhando, pudessem dar à alma um pouco mais de liberdade. Era uma sala modestamente arrumada, mas parecia uma caixa, a sala de espera da vida. Cansávamos, mas fingíamos que não. Queríamos um pouco mais – mais cores, mais tempo, mais cheiro, mais emoção espremida desse dia – enquanto dávamos cinco passos inofensivos até o café. Nossos olhares, sempre por entre as telas, se encontravam. Mas era ele, o conhecido suspiro, que dizia todas as coisas. Aos nossos dedos, cabia a sina de caminhar pelas teclas. Mas as nossas almas, essas sim, corriam sem freio e sem rumo, misturadas ao vento.
Saudade. Ando sentindo falta de alguém que não existe. Alguém que já mora no meu peito, chegando às vezes a incomodar como inquilino. Já me acostumei a dividir com ele meus momentos a sós. A levá-lo para lugares que só eu gosto, que só eu sei. Quase sempre, em segundos tristes, ele está lá. Comecei a ter angústia, porque não podia falar. Não podia tirá-lo do meu peito e docemente me recostar em seus braços. Ficava sempre um vazio. Uma lembrança de algo conhecido que ainda nem começou. Ando com uma saudade enorme, quase um branco no meio do dia, de uma companhia oculta, tão familiar. Divido meus sonhos e já cheguei a sentir o seu beijo, chegando transparente no meu quarto. Só me resta pensar que se a saudade veio antes de tudo, é porque não sobrará mais espaço para ela, nem sequer por um minuto, depois do nosso encontro.
A paixão é um crime. Rouba à luz do dia a sua identidade. Cria para você uma segunda versão - que não chega a ser igual, nem tão pouco um irmão. Uma nova pessoa em sua pele. A paixão pede o que não se tem para dar. Cobra o que não se prometeu. Vende e anuncia o que nunca existiu. Quer os seus dias, sua horas, seus sonhos, seu silêncio. A paixão quer que você seja ela. É doce, mas é severa. É um mundo inteiro de amor, mas é sozinha. Manda como um pai e não passa de uma criança com os braços estendidos. Ama você. Mas nunca sabe de verdade quem você é.
Eu sou possessiva de natureza. Pidona de carteirinha. Enraivada instantânea, feito macarrão. Muitas vezes é só uma insegurança. Daquilo que já sei fazer. Daquilo que já conquistei. Às vezes é só amor. Amor que não quer acabar. Amor que não quer que acabe. Amor que andou em falta comigo mesma. Sou assim, vezes dia, vezes porta na cara. Vezes taça de vinho, vezes copo no chão. Uma hora amigo, outra hora solidão. O que me salva é esse bendito riso na cara, essa cócega crônica, achando graça do mundo. E essa paixão, tão simples e tão grande, que me dá vontade de agarrar tudo com as mãos. Não fosse isso, sei não.
Assim que sair esse aperto de mim, eu te prometo, amor, amor sem fim. Porque nem que eu tenha que arrancar, cuspir a dor, jogar pro ar, não permanecerá aí. Nem que alguém tenha que bater, desengasgar, nem que eu tenha que tomar remédio pra sarar, eu te prometo, amor, tirar daí. Porque é um encontro apertado, de palavra, sentimento, um vácuo, que achou de morar no meu peito. Volta e meia quando varro, corre pra varanda: garganta. E ainda assim, não vai, não se manda. Mas eu sinto amor, que está perto dela sair pra dançar. E quando a noite cair, e quando a calmaria chegar, eu prometo abrir a porta e escancarar o peito, e não faltará tempo, e não terá medo, e não haverá nada que me impeça de voltar. Eu serei livre, amor, eu serei vento, e esse sentimento, será pássaro a voar.
Um escritor é a asa. É o horizonte inteiro cabendo entre as pontas dos dedos.
Nasce sabendo que será sempre o tempo nublado e o início da chuva. Escritor é rio correndo, sem freio, sem pressa, sem razão. Escrever é só uma gentileza das palavras. Para desafogar o homem, para alimentar a vida. Um escritor é um sentir todinho, completo e pleno, ainda que sozinho. É ser o próprio tempo, sem dono, tão farto, tão seu, atravessando a vida e mudando o rumo das pessoas. Ser escritor é sentir o vento que sopra mansinho – só que dentro de nós.