quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ceciliando


Coisa mais estranha é essa despedida pouca, se espalhando pelas beiradas, encharcando lentamente o esponjado dos sentimentos, até intumescer meu coração. Sinto que ela vem assim, sentida, atrasada, com seu relógio de horas de Machado de Assis. Sinto que vem no ritmo marchado de um trem. Mas não tem só a sua velocidade: traz o cheiro de café agarrado nas paredes de ferro, a melodia das pedras nos trilhos, dos trilhos nas pedras; a calma de quem lê um livro certo de que o tempo caminha naquele mesmo ritmo, de que é somente um tempo parado pra ler; e a beleza de quem olha para a vista, para além da janela, e se destina. E se conforta e se preenche. A alegria mansa de quem espera a estação chegar, com um punhado de malas na mão, confortado e distraído em seus próprios sonhos. Estou nessa poesia de borra de capuccino. No cheiro de mato forte que fica pra trás, beijado pelos olhos ao longo do caminho. Respiro, em uma cabine particular, a alegria de estar só naquele momento – e quem conhece, sabe o quanto é delicada e rara. É uma vitória comemorada na delicadeza de louças consigo mesma. Tudo é tão seu, nos estofados e ares, somente porque aquele momento é. Quem passa pelo corredor logo percebe seu destino assegurado, seu olhar adiante. A passagem é como a viagem: caricaturalmente mansa, tem um pouco de cheiro de avó, como se os cuidados fossem todos com você. Abro um pouco a janela para soltar os risos e os sonhos enquanto há uma dezenas de campos e pássaros para se inspirar. Pensei outro dia que o melhor lugar do mundo é sempre aquele onde os passarinhos têm mais motivos para cantar. É bom escolher a morada com os ouvidos. Deixo esse texto seguir, vagando no fluidez do trem, fazendo viagem de mim, sem pressa, sem muito porém. Passo a página ainda com pontas de dedos molhadas: há tempo para ler.