terça-feira, 18 de agosto de 2009

Som


Dizem os que escutam: a minha existência tem um som todo dela. A minha alma toca com as suas dezenas de pontas, tilinta em cada movimento. Ainda que não se possa vê-la, como ocupa espaços em barulhos. Como preenche os vazios em notas e pestanejar de cílios. Mesmo que não sejam em palavras, minha vida tem seu canto. Ecoa boa parte de mim com vontade em direção às janelas. Toco, feito corda de violino, na alma de outras pessoas, dedilho suavemente para que amoleçam os amores e não se cansem os sentidos. Arrumo cifras com o barulho da noite, do riso, com aquilo que os olhos não conseguem dizer. Minha alma junta tantos ruídos, sabe das músicas dos copos, do peito (se apaixona por esta, encosta o rosto). Sabe do som terno e quente que passeia entre os móveis, que desce desenrolando-se pelas escadas, que ocupa cozinha e quarto como uma boca larga. Vejo a música mansa rodear as pessoas em um abraço atoalhado, como a criança que se enrosca.
Essa é a mania da alma minha: ultrapassar suas linhas, se espalhar em quadrados e cantos, dobrar esquinas. Onde o amor se instala, tudo cala: mas é somente para sentir sua beleza. O silêncio do amor é dito. É tanto. E o meu compõe, ainda que dormindo, o tom de mais uma tarde.

Salto

Ser só é mais seguro. Não ter sonhos também é. Talvez seja melhor manter o pé embaixo do lençol em vez de lançá-lo ao chão frio. Ou nunca crescer, ignorar a teimosia dos ossos. Talvez seja melhor não mudar de cidade em tempo algum. Ou não aprender uma língua, pra não ter que lidar com gente estranha. Talvez ter sempre um braço em volta dos seus seja o mais seguro e morno. Levar sempre o celular para onde quer que você vá. É aconselhável também ir a festa antes das seis, voltar antes das duas. Talvez não amar seja muito mais seguro. Dá até para respirar aliviado. Não ter filhos, logo depois. Talvez tudo isso dê uma extrema sensação de conforto e paz, amparado pelas velhas paredes, mobília-família. A única coisa chata nisso tudo é que eu não conheço ninguém que acorde sonhando em ser seguro. Não se ensina a ter certezas. A graça da vida é justamente o que você faz na falta dela. Criamos nossos filhos para a felicidade, não para as respostas prontas. Para o salto, não para o chão.

De uma coisa fico certa: a vida é um vôo. E o princípio básico para se lançar ao ar é não se segurar em nada.

Faça comigo: abra os braços, encha o pulmão e experimente viver.