sexta-feira, 9 de outubro de 2009

5 minutos antes de dormir

Meu amor, mulher não dorme. Mulher experimenta um amor tão suave que chega a fechar os olhos. Mulher não se cobre e espera a hora de dormir. Mulher se recolhe entre braços, para acreditar uma vez que o mundo é mais seguro. Mulher não desacorda apenas. Sonha muito antes de começar a dormir. Mulher não diz boa noite e se apressa. Olha nos olhos com calma, para ter certeza de quem escolheu, para se ver em outro. Meu bem, mulher não forra a cama e se prepara para descansar. Mulher descansa é sentindo, no calor de um abraço, que ela pode se derramar, porque tem quem a proteja.

Mulher não dorme. Mulher se sente amada enquanto finge dormir.

Pálida cidade

Chovia uma chuva fina branca, um descolorante de cidade. Respirava frio, numa aflição do passar das horas, num esquecido entre os carros. Nem parecia sexta. Nem parecia dia nenhum. Nem sabia ao menos onde estava eu, se não fosse pelo agudo insistente no peito. Às vezes a chuva é sua cúmplice – você sabe que dentro de você alguma coisa também quer derramar. E se não for para mostrar o riso, melhor mesmo que chova, para escondê-lo entre os casacos. Não deu tempo de reclamar. Nem de reparar no sinal que acabou de abrir. Olhei para cima e vi na janela, na brecha da Cortina, uma mulher que segurava um bebê e balançava, balançava, olhando para ele. Segundo parado. Pedido de pausa da vida. O mundo parecia cinza, mas naquele momento era branco, cabia entre os braços e cheirava a carinho. A moça somente embalava seu filho. Em um ritmo fora do mundo, em um silêncio longe dali. Mas com um amor que atravessava a janela e dava abrigo a quem estava do vidro pra fora, congelado em vida comum, esquecido de viver. Éramos todos ninados por aquela mulher. Bom poder sentir em cidade tão fria, um pouquinho de calor.

Meu coração nasce flor
Beirando e pingando na estrada
Hora chorando de amor
Hora divagando acordada.

santo anjo

Adoro o cheiro de carpete que minha nova casa tem.  Adoro as cores do adesivo coladas ao lado do elevador, bem perto da porta. Gosto de usar o teclado que aprendi a usar  desengonçadamente anos atrás, quando comecei, mostra que nada é à toa, tudo lhe dirige a algum lugar. Amo esse todo que está por vir e eu não conheço, mas sinto. O cheiro desse lugar é grande. Começo a sentir meus desdobrar de braços. Na minha frente há uma janela de cortinas piscadas, como olhos . Mas são brancas e grandes. Aos poucos deixo Luise se espalhar por esse lugar.  Ganhar dimensões da sala – leva um tempo para que percebamos o tamanho que realmente temos – por enquanto ainda estou tomando coragem de medí-la com os olhos. Olhá-la por inteiro é o primeiro ato de coragem. E de posse. Háuma ponte por cima de nós, cruzando as salas, por onde as idéias devem passar caminhando, feito gente que vai para a reunião. Sinto que as pessoas aguardam, esperam o que vem. E o mais interessante talvez seja isso: eu também estou aberta ao que vem. Também quero me testar, me conhecer. Sei que há um mundo imenso urso em mim querendo sair. Não fosse isso, não sentiria falta de ar. Essa falta de ar é na verdade um excesso: um exagero de idéias, energias e vontades, esperando um mínimo deslize da garganta para virar realidade. Por enquanto só brinco com as letras,, como dedos crianças em teclas de amarelinha. Passeio. Esperando a gigante que me tornarei. Até eu quero tanto conhecê-la. Vejo algumas pessoas se abraçando e a energia folgada do abraço. Vejo alguns risos correndo curupiras pelo silêncio pós-almoço, tão igual a todos os lugares do mundo. Lá fora a chuva deixa tudo assim: branco – tão bem lembrada a folha de papel. Branco novo esbranquiçando, inaugurando tempo novo, fazendo branca também a sala, a tela de papel e o fôlego da menina – nova. Sentia um cheiro de branco que era mais do que o cheiro da chuva. Feliz primeiro dia.