quinta-feira, 23 de abril de 2009

À LUZ DO DIA

Imagine que crime de amor seria roubar um livro. Colocar por trás da blusa, suar frio por suas páginas. Secar a boca e apertar frases contra o peito. Imagine que crime mais delicado: roubar para ler Vinicius de Moraes. Para entender um soneto de Camões, para ler sobre o Garrincha, que seja. Enfrentar pálido o corredor que leva à saída, os olhares do segurança diante de sua maior condenação: querer saber. Tenham piedade desse crime, se tanto quanto carne, fizer o homem se saciar na primeira esquina, sentado embaixo de um poste. Ou se, na penumbra de casa, beijar sua vítima: um livro com cheiro de novo. Ainda que seja um seqüestro, deixe que passem uns dias em cativeiro, trocando brincos, conversando sobre a vida, tendo dúvidas de dicionário, em vez de falar em pontas de faca. Deixe que lhe sirva o café, que lhe faça companhia nessa espera demorada e sem resgate. Ao ler um livro, não se engane: todo mundo foge, todo mundo foge da prisão.
Se está difícil pra você, faça como eu:
chova.
Medo também entra pela veia, feito anestesia. E o sintoma é o mesmo, vai paralisando, muito lentamente, amortecendo suas idéias, arregalando seus olhos. Tem que estar atento à entrada desse visitante na alma. Tão silencioso que só se percebe quando já está na metade do caminho, feito bicho de pele. Não é muito de causar rebuliço, sua arma é a sonolência. É a palidez. Gosta mesmo é de roubar roupas e vontades que são suas e de colocar você para assistir. Gosta de secar a sua voz. De apertar o coração. E o pior de tudo: de fazer você achar que é de nascença, quadro normal. Muito cuidado com ele. Ao menor sinal de apatia, de olhos perdidos em horizontes, de desistência da bateria da vida, cuspa. Não caia na tentação de uma resolução amigável, nem de se acostumar com sua companhia. Faça um talho na mão pra que pingue vermelho e procure o primeiro espelho para lembrar bem quem você é.

Perigosamente distraídos

Porque nós enrolamos, meu amor, nesse nosso amor irresponsável, nesse nosso entrosamento de interesses, na arte cínica de negar o que se quer. Porque eu não mereço um trecho dos seus lábios tão francos na mentira, nem você merece meu querer somente, tão raso e tão impróprio, tão ausente de qualquer razão. Porque nós só merecemos a agonia boa do instante e o pensar pequeno do segundo, se é que existe um momento que consegue viver sem os outros. Porque disso tudo só ficou um risinho e mais uma história boa pra contar e mais uma piada pronta que é essa coisa louca da gente querer se olhar.