terça-feira, 29 de dezembro de 2009

GPS para assuntos do coração

Se tivesse um gps para o coração

Meu deus, pelo sim, pelo não

Ninguém se perdia mais

Quantas vezes, quantos trabucos

Quantos buracos e ruas que ninguém

sabe onde vai parar

Quantas vezes eu me pergunto

É pra seguir ou pra voltar?

Se tivesse um gps pro coração,

Quanta alegria e simplicidade

Não importava a última ligação

Nem o encontro de ontem a tarde

Valeria a voz da autoridade:

“siga reto por mais 1 metro…”

Mas em vez disso, quanta labuta…

Quanta dúvida no meio da estrada

No saculejo desengonçado da paixão

Sabemos mesmo ouvir o coração?

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Verdejância

Não se sabe ao certo

Se vã ou coisa pequenina

Mania de um espreguiçar de sol

De um futucar de sorrisos

É só uma brisa mansa que passeia,

Alguém resolveu lhe explicar

Mas ela era mais que brisa

Era a sola solta do sapato

E os passos!

Muito longe das folhas quebradas

Muito depois da mancha de luz no chão

Muito mais tarde que a tarde

Era choro de sonho recém-nascido.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Balançado


Eu quero uma casa na praia. Com direito a dias de verão de muito sol e felicidade. Quero ver os risos aparecerem como o sol que entra pelas frestas do portão, contagiando todo o ambiente. Quero ver minha filha encantada com a sensação mágica e tão simples de ter seus pequenos pés sobre a areia grossa, mergulhadas na água fria do mar. Quero que a paz corra pelos cantos da minha casa, da minha vida, como passeia uma brisa fresca, levantando folhas e suspiros. E que seja tão doce e tão prazeroso ouvir as conversas e risos de minha família, que se tenha a impressão de poder escutar a felicidade, como quem ouve a um canto de passarinho, nessa suave normalidade. Quero agradecer a Deus pelo amor que encontrei e que tenho, a cada cortina que se abre apertando nossos olhos, a cada silêncio calmo da tarde, em cada calor entre as mãos dadas e cúmplices, na certeza do encontro dos olhares. Quero viver dessa verdade imensa , que alimenta a alma e o espírito, com todos os meus por um tempo farto e incalculável.


E a resposta do sr. amor :


Eu também quero uma casa na praia. Mas com a ar condicionado, futton e ofurô. Conexão banda larga, tv de plasma, Apple TV e macbook. Uma plantação de iPhone, para colher pelo menos 10 gigas de aplicativos por dia. Uma barraca de praia confortável, com ombrellone hidramático, cadeira com ajuste de coluna e um bom reader para baixar um bom livro. Uma distância segura pra vigiar minha pequena de longe, mas que me mantenha longe das urticárias causadas pelo calor. Um garçom solícito e um freezer que funcione. Se tiver conexão wifi, um Skype para me conectar à minha família. Agora se minha filha enfia a mão na areia, grito logo: não vai mais mexer no computador do papai!

te amo!




segunda-feira, 23 de novembro de 2009

INFINITOS

Existem dias que não acabam. Que existem e existem e existem, independentes e alegres, além das segundas-feiras. Existem dias que ecoam, em risos e chuvas, em suaves abraços, em pedidos de tanto mais. Não são dias com hora marcada para se despedir, pós o tic-tac da zero hora. Ao contrário: são dias com o dom de fabricar, de trazer para vida mais risadas, mais alegria, mais dias de mesma natureza e uma força que faz mais de nós. São dias-mães. Que parem felicidade. É só fechar os olhos, para você também lembrar de um dia que continua existindo até hoje. E que causa uma cócega de alma só de lembrar. Que sorte, que fortuna estar vivendo um dia desses. Que de tão inesgotáveis, não se deixam capturar em palavras, nem mesmo por uma justificada paixão pela poesia. Deixo então que corram, para sempre, para tanto. Para muito além das linhas.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Do dia que me amei assim.


Amanhecida de mim

Essa natureza tempestade

Esse vento incorrigível

Força de tais


Pessoa descabida

Não cabe nos limites da roupa

Da boa educação

Pessoa que gira os acordes da vida

Que joga os pratos no chão!


Ando pedindo desculpa

Por derrubar os talheres,

enfeites, com tetos, com mãos

Um sentir tão desastrado

Que vai causando confusão.

(e põe o teu amor sob a minha condição?)


Sou dessa suavidade violenta

Desse amor repuxo de turbina

Mar revolto, quanta preocupação


E eu só queria o silêncio do dia…


Mas minha alma indomada

Não aceita sugestão!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

(Para pôr um título)

Se eu soltar a língua,

Se eu soltar o verbo,

Junte a letra solta

Forme um só verso


Se eu errar no tom

Se eu quebrar a métrica

Faça um som do bom

Sopre a nota certa


Pois apesar dos erros

De cálculo e de régua

É seu amor que eu canto

É pra você minha festa


É pelo zumbido bom

Que vem do fundo do peito

E pega a gente de jeito

Até no silêncio do dia.


Nosso amor é assim. Vezes dá samba. Vezes dá poesia.


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Confissões jardinais

Fico feliz porque agora você já me viu derramada, sem hastes nem contornos que pudessem me fazer pessoa sólida. Fico feliz porque alguém já escutou meu choro – a força que vem da minha dor, transformada em música, ensurdecendo todas as razões comuns. Fico feliz porque a flor já tirou a sua roupa: ja está desnuda, borrada, enxuta. Mas ainda com seu amarelo de flor. Fico feliz porque você sabe que não é todo dia que meu dia gira. Que o sol aparece e enlarguece meu sorriso de gente. Fico aliviada por você ter visto minhas cores e descolores, meus atravessados e recortes. Saímos da superfície e remexemos a terra, e só em terreno mexido é que temos a chance de enraizar amor. Estou escancarada, revelada, contra toda tentativa de me emborrachar em uma máscara de carnaval. Agora você conhece a dor. Agora você conhece a flor. Agora você conhece Eu. (suspiro). E por incrível que pareça, é bom me ver viver como sou.  Afinal, assim como você, eu também estou aprendendo a me amar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

5 minutos antes de dormir

Meu amor, mulher não dorme. Mulher experimenta um amor tão suave que chega a fechar os olhos. Mulher não se cobre e espera a hora de dormir. Mulher se recolhe entre braços, para acreditar uma vez que o mundo é mais seguro. Mulher não desacorda apenas. Sonha muito antes de começar a dormir. Mulher não diz boa noite e se apressa. Olha nos olhos com calma, para ter certeza de quem escolheu, para se ver em outro. Meu bem, mulher não forra a cama e se prepara para descansar. Mulher descansa é sentindo, no calor de um abraço, que ela pode se derramar, porque tem quem a proteja.

Mulher não dorme. Mulher se sente amada enquanto finge dormir.

Pálida cidade

Chovia uma chuva fina branca, um descolorante de cidade. Respirava frio, numa aflição do passar das horas, num esquecido entre os carros. Nem parecia sexta. Nem parecia dia nenhum. Nem sabia ao menos onde estava eu, se não fosse pelo agudo insistente no peito. Às vezes a chuva é sua cúmplice – você sabe que dentro de você alguma coisa também quer derramar. E se não for para mostrar o riso, melhor mesmo que chova, para escondê-lo entre os casacos. Não deu tempo de reclamar. Nem de reparar no sinal que acabou de abrir. Olhei para cima e vi na janela, na brecha da Cortina, uma mulher que segurava um bebê e balançava, balançava, olhando para ele. Segundo parado. Pedido de pausa da vida. O mundo parecia cinza, mas naquele momento era branco, cabia entre os braços e cheirava a carinho. A moça somente embalava seu filho. Em um ritmo fora do mundo, em um silêncio longe dali. Mas com um amor que atravessava a janela e dava abrigo a quem estava do vidro pra fora, congelado em vida comum, esquecido de viver. Éramos todos ninados por aquela mulher. Bom poder sentir em cidade tão fria, um pouquinho de calor.

Meu coração nasce flor
Beirando e pingando na estrada
Hora chorando de amor
Hora divagando acordada.

santo anjo

Adoro o cheiro de carpete que minha nova casa tem.  Adoro as cores do adesivo coladas ao lado do elevador, bem perto da porta. Gosto de usar o teclado que aprendi a usar  desengonçadamente anos atrás, quando comecei, mostra que nada é à toa, tudo lhe dirige a algum lugar. Amo esse todo que está por vir e eu não conheço, mas sinto. O cheiro desse lugar é grande. Começo a sentir meus desdobrar de braços. Na minha frente há uma janela de cortinas piscadas, como olhos . Mas são brancas e grandes. Aos poucos deixo Luise se espalhar por esse lugar.  Ganhar dimensões da sala – leva um tempo para que percebamos o tamanho que realmente temos – por enquanto ainda estou tomando coragem de medí-la com os olhos. Olhá-la por inteiro é o primeiro ato de coragem. E de posse. Háuma ponte por cima de nós, cruzando as salas, por onde as idéias devem passar caminhando, feito gente que vai para a reunião. Sinto que as pessoas aguardam, esperam o que vem. E o mais interessante talvez seja isso: eu também estou aberta ao que vem. Também quero me testar, me conhecer. Sei que há um mundo imenso urso em mim querendo sair. Não fosse isso, não sentiria falta de ar. Essa falta de ar é na verdade um excesso: um exagero de idéias, energias e vontades, esperando um mínimo deslize da garganta para virar realidade. Por enquanto só brinco com as letras,, como dedos crianças em teclas de amarelinha. Passeio. Esperando a gigante que me tornarei. Até eu quero tanto conhecê-la. Vejo algumas pessoas se abraçando e a energia folgada do abraço. Vejo alguns risos correndo curupiras pelo silêncio pós-almoço, tão igual a todos os lugares do mundo. Lá fora a chuva deixa tudo assim: branco – tão bem lembrada a folha de papel. Branco novo esbranquiçando, inaugurando tempo novo, fazendo branca também a sala, a tela de papel e o fôlego da menina – nova. Sentia um cheiro de branco que era mais do que o cheiro da chuva. Feliz primeiro dia.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Prezados leitores,
Informamos que temporariamente a palavra desculpe - sem aspas para enfeitá-la, nem letra maiúscula para não virar um nome próprio - está extinta desse blog por abuso de sua companhia.

Atenciosamente,
A direção.

domingo, 27 de setembro de 2009

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

solto na língua

Hoje estou de suavidades. Quero que o dia seja doce e que o perfume seja quente como o sol das cinco. Hoje eu só quero palavras mansas, baixas, que descem como veludo enrolando pescoço e ouvidos. Hoje eu escuto aquela música leve, de batidinhas marcadas, aquele hit que  acompanha até na calçada, na padaria. Hoje estou a fim de uma bossa, mesmo que sozinha, de sentar para ver a poesia de janeiro, do Rio inteiro, do desenho gostoso e curvilíneo do Corcovado. Hoje eu topo uma tapioca , um empanado, topo qualquer coisa que tenha em cima um côco ralado. Hoje é dia de cores leves, do finalzinho da onda chegando na areia, de uma fala que nem precisa sair, de uma abraço para desaparecer nos braços. Hoje eu quero mais do violão: o tom, os dedos da mão. Hoje eu quero a corda vibrando na caixa maior do meu coração.  Eu quero ser o som, e de tão mergulhada, ser tocada em uma tarde calma… Quero tanto que esse dia não tenha pressa de passar, que não se agonie para começar nenhuma emoção em mim. Quero deixar deslizar, escorrer, até que sinta chegar um eclipse de dia assim. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O gosto que gente tem.

Gosto de gente falando em inglês. Os dois primeiros minutos em que eu me culpo por não dominar a língua são absolutamente superados pelo gosto que eles me provocam: o gosto de viagem. Ri sozinha porque naquele pequenino instante, em um cubículo de elevador, eles fizeram com que eu me sentisse livre no mundo. Atravessando um corredor de hotel em nova york ou em um museu famoso, apertando o livrinho sobre o peito, esperando para entrar. Naquele momento, aquelas pessoas me têm gosto de férias. Acontece parecido com meus amigos baianos: todos têm o bafo quente de sol. Quando eles chegam, me animo, porque sei que encontro um pacote de alegria, um suplemento de amor do qual sou feita. Me encontro com a melhor parte de mim em um simples sorriso encostado na porta, preso no rosto de um deles. Parece que a cidade embarcou, que minha felicidade passou para me buscar. As pessoas mudam de gosto quando se misturam com o cheiro quente de nossas memórias, os pedidos escondidos de nosso coração. E tudo passa a ser tão mais bonito e tão fácil se explica o rosto da moça, olhando pro alto, quando todo mundo está andando rápido, olhando pro chão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Samba da bagunça - passagem do trem

Peço desculpa por esse jeito

tão desconexo , meu bem

pelo desajeito do meu cabelo

pelo embaralho de minhas pernas

e pela maluquice de

meus sentimentos

Sou assim um assustado só

Diante de um amor calmo

E uma onda farta de amor

Diante de um dia calmo

Sou assim, de derrubar a mesa

E de balançar o chão

Quando você só quer encostar a cabeça

Sou assim de pedir muito

De pedir os dedos, os ventos, os tempos, as mãos

Perdoa, amor, esse meu jeito tão desajeito

Meu amor destrambelhado

Descendo para os seus braços

Essa bagunca que faço

Com nosso suave compasso

Leve de tanto nós.

 

Se um dia a cabeça virar

Deixa então que eu arrumo

Que eu ponho tudo no prumo

Com meu punhado de palavras

Que eu dobro tudo de novo

No calor do meu abraço

Penduro nossos sentimentos

Penteio nossos medos com zelo

E amo como quem não fez nada

Como se nunca tivesse passado

Coisa assim tão assanhada.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Diverso

Esse jeito então tão masculino, de tornar o café com pão comum, o frio entrando na janela normal, a vontade de beijar e abraçar em absolutamente controlável. Esse jeito de estar mais atento aos clientes que vai receber daí a pouco, em vez daquele instante em que o cheiro do banho recém-tomado ainda está no carro. A corrida masculina que quase atropela nossa desavisada sensibilidade, que atravessa nosso romantismo infantil, sem muitas honras. Essa engraçada maneira de viver tão satisfeito, em saber que tem o que precisa ao lado, como quem anda olhando pra frente, com um pouco de pressa. Acha que está puxando sua carroça de essenciais, e leva um mundo de docilidades, sem perceber. Tão diferente de nossa insaciável mania de amar os detalhes, de respirar os encontros de intervalo, de festejar soluços de saudade. Ás vezes incomoda ser assim derramada, mas tenho aprendido a deixar viver. A ouvir os ritmos, respeitar as notas de cada um, e quem sabe um dia, parar de doer com as concretudes rotineiras. A controlar o violeta escorrendo da ponta dos olhos, para entender que aquela não é a hora de pinturas em vãos de dia. Pelo menos, para um de nós.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ceciliando


Coisa mais estranha é essa despedida pouca, se espalhando pelas beiradas, encharcando lentamente o esponjado dos sentimentos, até intumescer meu coração. Sinto que ela vem assim, sentida, atrasada, com seu relógio de horas de Machado de Assis. Sinto que vem no ritmo marchado de um trem. Mas não tem só a sua velocidade: traz o cheiro de café agarrado nas paredes de ferro, a melodia das pedras nos trilhos, dos trilhos nas pedras; a calma de quem lê um livro certo de que o tempo caminha naquele mesmo ritmo, de que é somente um tempo parado pra ler; e a beleza de quem olha para a vista, para além da janela, e se destina. E se conforta e se preenche. A alegria mansa de quem espera a estação chegar, com um punhado de malas na mão, confortado e distraído em seus próprios sonhos. Estou nessa poesia de borra de capuccino. No cheiro de mato forte que fica pra trás, beijado pelos olhos ao longo do caminho. Respiro, em uma cabine particular, a alegria de estar só naquele momento – e quem conhece, sabe o quanto é delicada e rara. É uma vitória comemorada na delicadeza de louças consigo mesma. Tudo é tão seu, nos estofados e ares, somente porque aquele momento é. Quem passa pelo corredor logo percebe seu destino assegurado, seu olhar adiante. A passagem é como a viagem: caricaturalmente mansa, tem um pouco de cheiro de avó, como se os cuidados fossem todos com você. Abro um pouco a janela para soltar os risos e os sonhos enquanto há uma dezenas de campos e pássaros para se inspirar. Pensei outro dia que o melhor lugar do mundo é sempre aquele onde os passarinhos têm mais motivos para cantar. É bom escolher a morada com os ouvidos. Deixo esse texto seguir, vagando no fluidez do trem, fazendo viagem de mim, sem pressa, sem muito porém. Passo a página ainda com pontas de dedos molhadas: há tempo para ler.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

santo anjo

Me falaram que em São Paulo eu ia endurecer o coração. Que iria ter que criar uma crosta, que era praticamente uma obrigação. Sorri há pouco. Cheguei à conclusão: não quero, não vou mudar. Porque esse é o melhor trunfo que a vida me deu: o coração aberto, a verdade derramando dos olhos. Meus sentimentos são braços, puxam as pessoas pra perto, minha paixão por construir laços ao invés de pistas de asfalto também já me levaram longe. Foi sendo o que sou que conquistei também o melhor das pessoas, que mostrei algo de diferente a elas, que me senti cumprindo meu caminho. Nasci de alma aberta, sem muita proteção. E ao invés de fragilidade, sinto ao contrário: há tanta força nisso. É com essa força que desarmo a proteção e a casca de tantas pessoas, que sofrem em ter que usá-las. Minha alma já é expandida, não volta ao tamanho de um embrião. Não dá para dobrá-la e guardá-la em um terno qualquer, uma capa de chuva. Não há medo em ser assim, aberto, verdadeiro, eu insisto, para que parem de divulgar essa informação. Há muita força em amar, há fortaleza em se fazer presente, em enxergar o outro, por trás das roupas de escritório, por trás dos contratos, emails, noites de solidão. E há uma proteção terna e silenciosa, como abraço de anjo. Posso enxergar o ritmo de quem é diferente, posso entender suas limitações, seus instintos, e caminhar mais devagar. Tocá-lo com leveza, mostrar-me menos. Sem, no entanto, querer sem quem ele é! Se tem uma coisa para se temer é isso: abrir mão de si, unir as arestas em uma caixa lacrada e escura. Haveremos de aprender a nos proteger, claro, mas não a se esconder, nem a abrir mão do que melhor temos. Serei inteira, serei presente, acessível, amável, curiosa e capaz de me doar. Serei quem sou, consciente disso, a cada manhã que acordar. Não fazemos redes contratuais nesse mundo, fazemos amigos, escola, história que emociona. Deixamos sinais, transformamos vidas, nascendo com cada um. Marcamos pelo que somos, não pelo que tivemos medo de ser. Sabe o que eu acho? São Paulo tava até precisando de um bocadinho de amor.

domingo, 30 de agosto de 2009

Despedida ( um pedaço tão pessoal)

Ainda se fosse a despedida de uma cidade, da minha cidade. Dos céus nos quais acordei, nos ombros que descansei, mãos e braços que me fizeram ter forças para me erguer sobre as pernas. Mas é mais. É uma despedida de mim. Deixo, em algum canto do playground do meu prédio, a menina acanhada que tanto teve medo, mas que sempre guardou um tanto de amor.Deixo a menina que bagunçava as idéias e as roupas, e procurava caminhos e ruas, tentando se encontrar. Deixo alguns dos amigos, mas levo comigo o sorriso e amor de cada um deles. Deixo as cores da cidade, mas levo todas que já estão pintadas em meu coração. Deixo no travesseiro alguns sonhos de ontem, algumas mal-dormidas noites, mas acordo, para viver os sonhos que escolhi. Deixo uma estrada bonita pra trás que, apesar dos capítulos de dor, foi escrita sob a luz do sol, e eu sou esse sol. Dou adeus a tudo que minhas paredes escutaram: os choros, os medos, as preces, as minhas confissões celebradas com tão verdadeiras alegrias. Deixo a história do que fui, e vou fazer a história nova. Uma parte de mim chora, ao se despedir da menina, outra parte agradece, pensando no que virá. De todos, de todos, não poderia deixar de fazer essa despedida de mim. Saio como a menina que fui, e vou como uma folha em branco, meu amado branco em alma virgem, me transformar na mulher que sou.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Som


Dizem os que escutam: a minha existência tem um som todo dela. A minha alma toca com as suas dezenas de pontas, tilinta em cada movimento. Ainda que não se possa vê-la, como ocupa espaços em barulhos. Como preenche os vazios em notas e pestanejar de cílios. Mesmo que não sejam em palavras, minha vida tem seu canto. Ecoa boa parte de mim com vontade em direção às janelas. Toco, feito corda de violino, na alma de outras pessoas, dedilho suavemente para que amoleçam os amores e não se cansem os sentidos. Arrumo cifras com o barulho da noite, do riso, com aquilo que os olhos não conseguem dizer. Minha alma junta tantos ruídos, sabe das músicas dos copos, do peito (se apaixona por esta, encosta o rosto). Sabe do som terno e quente que passeia entre os móveis, que desce desenrolando-se pelas escadas, que ocupa cozinha e quarto como uma boca larga. Vejo a música mansa rodear as pessoas em um abraço atoalhado, como a criança que se enrosca.
Essa é a mania da alma minha: ultrapassar suas linhas, se espalhar em quadrados e cantos, dobrar esquinas. Onde o amor se instala, tudo cala: mas é somente para sentir sua beleza. O silêncio do amor é dito. É tanto. E o meu compõe, ainda que dormindo, o tom de mais uma tarde.

Salto

Ser só é mais seguro. Não ter sonhos também é. Talvez seja melhor manter o pé embaixo do lençol em vez de lançá-lo ao chão frio. Ou nunca crescer, ignorar a teimosia dos ossos. Talvez seja melhor não mudar de cidade em tempo algum. Ou não aprender uma língua, pra não ter que lidar com gente estranha. Talvez ter sempre um braço em volta dos seus seja o mais seguro e morno. Levar sempre o celular para onde quer que você vá. É aconselhável também ir a festa antes das seis, voltar antes das duas. Talvez não amar seja muito mais seguro. Dá até para respirar aliviado. Não ter filhos, logo depois. Talvez tudo isso dê uma extrema sensação de conforto e paz, amparado pelas velhas paredes, mobília-família. A única coisa chata nisso tudo é que eu não conheço ninguém que acorde sonhando em ser seguro. Não se ensina a ter certezas. A graça da vida é justamente o que você faz na falta dela. Criamos nossos filhos para a felicidade, não para as respostas prontas. Para o salto, não para o chão.

De uma coisa fico certa: a vida é um vôo. E o princípio básico para se lançar ao ar é não se segurar em nada.

Faça comigo: abra os braços, encha o pulmão e experimente viver.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Felicidade Facilidade Fez-se.

Eu e minha pequena imensa felicidade
Em sua meninice tamanha
Suas pernas de quilômetros
Tão cheias de joelhos
Seu riso se derramando pelos lados
açucarado
Viva a felicidade repentina!
A alegria menina moradora de peitos
Vestindo camisa branca
Viva a felicidade que balança
O tema solto, enfim
A alma cheia
Deixe que ela dance seu braço e outro
Deixe que corra a menina
Que devaneia.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Céu-Nascimento



Às vezes quando eu olho assim a terra arredondada, e aquele céu azul imenso se curvando sobre nós, eu sinto o mundo simplesmente grávido. E a nossa alma exultando, como se quisesse, de tanta imensidão, empurrar as finas paredes do céu até se romperem. Sinto, em uma verdade, como a se a gente ainda fosse nascer.


* Pouco depois que eu escrevi esse texto, um amigo meu bateu essa foto, do mesmo céu, e me perguntou: Lu, você vê uma pessoa levantando um bebê nessa nuvem?
Apelidamos a foto, e o momento, de céu-nascimento.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

ATOS

Mas no meu não, cada dia é uma nova cena, aliás, é uma nova peça em cartaz. Nunca sei que máscara vai acordar agarrada em minha pele, se há de arder em mim o choro ou o riso. Se há ódio, como hoje, estremecido, de tanto amor. Senhores, eu me penduro nas cortinas, eu rasgo cada pedaço de seu manto aveludado para fazer de cobertor! Seja como for, estou no palco. Estou cuspindo meus medos, enfrentando meus dragões. Não posso anunciar meu espetáculo de pé, porque ele é feito na agitação dos segundos, na agudez dessa hora, nada se pode prever. Eu não posso conter a mania de letras e a transformação em atos, sou somente tomada. Sou apenas o mesmo diretor que entra em cena, o mesmo ator que chora na platéia. Há um invento um tanto imenso para tudo isso. Querer dar forma a cada palmo de ferida, a cada gota de saliva sentida. Mas isto é a minha vida, que também se arruma para ser, e se perde e ganha em cima de qualquer tabuête. Se deseja explodir, que seja. É porque nunca coube em si.
E aquela alegria me vinha soluço. Sobressalto no meio do texto, assalto de minhas funções. Pequenas convulsões de riso, até estalar na face. Simplesmente vinha, toda menina, desejosa de sair, pular pro mundo. Difícil conter, explicar que naquele momento eu era um texto importante, sério. E lá vinha ela com estabanada felicidade em momentos comuns. Parecia um escorrega da alma: eu a empurrava pra dentro, e ela voltava gritando, cheia de impulso. Aprendi a gostar do seu jeito, a rir dessas loucuras, adorável companhia. A essa cócega repentina, em horas desavisadas, apelidei gentilmente de sintoma de você.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cumplicidade

Olhei. O cursor do teclado piscava e piscava, em um ritmo contínuo e marcado, contínuo e marcado, como um coração pulsando no meio de um peito branco e pálido do papel. Parecia a batida das palavras clamando por um pouco mais de vida para contar. O fôlego ofegante de um documento de texto. Eu o olhava. Ele a mim. Como que esperando, esperando a próxima letra. E de próximo eu nada sabia, nem dos capítulos, nem do desenrolar da história. Ambos pulsávamos. Ambos batíamos. Naquele ritmo ansioso e atento da espera. Ele fitava o meu branco. Eu olhava o vazio dele, sem medo. Nos perguntávamos a mesma coisa: se haveria palavra certa para desengasgar, se valeria querer adiantar alguma coisa. Nos aquietamos. Nos confortamos em um silêncio amparado, no aconchego que às vezes traz o recolhimento e a economia de palavras. A tela foi se escurecendo, no ritmo dela, como se quisesse também adormecer, em cumplicidade a mim e a um velho cursor. Sabíamos que por trás daquela noite digital, e debaixo dos nossos olhos, ainda havia o mesmo ritmo que persistia insistente. Mas agora eram apenas os segundos, cumprindo sua função de passar e virar a página, escrevendo a história enquanto a gente simplesmente dormia.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A terra de São Jorge


Eu vi os olhos do menino cheios de cidade. Molhados de um verde manso e morno, que se deitava sobre as pedras, à borda da areia. Eu vi a luz nos olhos no menino. Que atravessava o céu e atravessaria os anos, bordando de prata uma orla sem fim, com um farol tão imponente quanto a noite. Vi a língua da cidade sobre as ruas. E como deixava tudo brilhando após sua passagem, até o coração do menino. Nesta cidade tudo tem beira, uma beira de cores perdidas entre tanta azulância e brandura, mas nada tem final. Pode-se caminhar pela margem, mas vê-se que a cidade é infinita, suas águas se estendem fartas, para que não haja dúvida de quanta riqueza foi dada a essa terra. Vi que o balanço do barco era manso, e com ele iam nossos sonhos adormecidos, hora tão meninos, hora tão futuros. Vi que o menino se enchia do amarelo dourado das comidas, do colorido de uma gente que borda alegria em cada renda, em cada prato, cada retrato. Vi que o sol não queria ir, decidido e imenso, e permanecia cravado na varanda das águas, fazendo tarde calma, fazendo ouro do mar. E o menino via o sol, e como ele, também não queria ir. Vi os caminhos de pedra, com um cheiro todo ele de história, que levantava-se rebelde quando chovia, entranhando-se nas pessoas distraídas de tanto presente. Vi a alegria do menino estar na alegria da gente. O gosto forte da cidade ardia sobre a boca, alagava os olhos, como um maço de pimenta mastigado por pura vontade, com toda força, até o fim. Era tarde, e como a noite caía, deixando somente a luz das casas formar um colar de contas sobre o mar, parei para ver. Deixei então escutar os risos, que desciam as escadas junto com o jazz, e os olhos, que se perdiam em tanta coisa para ver. Vi que, por um minuto, aqueles olhos eram também horizonte, se arrastando pelo chão, querendo levar em um só carinho pedra, frio, cores, meninas, cais. De tudo que vi, percebi que quanto mais crescia a cidade, em sua alma enlarguecida, maior se tornava o coração do menino. Este era, desde o dia que chegou, como o pórtico de ferro largo e envelhecido, aberto de tanto amor, atravessado pela gente e pela felicidade do vento.

A essa hora, para o menino, cidade era saudade.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Passagem


Quem manda ser assim, romântica demais. Agora fica aí, frente a minutos lentos, de barba branca amarelada, daqueles que sentam na porta de casa e pensam o mundo em cada mordida. Aqui fora, a vida quer dar suas reviravoltas, é normal. Algumas até fui eu que convidei, chamei pra entrar. Mas tem horas... tem horas que bate um medo, uma falta de coragem... No momento estou com choro. Com algo dessa finíssima classe acompanhando meus silêncios. Talvez nem seja meu o choro. Às vezes eu choro o choro do outro, pra que ele possa desaguar, convalescer. Talvez hoje eu chore o medo da minha mãe. A saudade que ela vai sentir quando tudo isso não for mais igual– e a minha saudade também. Talvez eu chore pela parte de mim que se permite duvidar, se perguntar se não é trabalho demais para si o que vem pela frente. Minha cabeça pende para um lado e para outro – procurando um colo, na certa. Meu suspiro percorre centenas de esquinas em uma velocidade instantânea. Mas volta vazio de ninguém. Minhas mãos estão abertas, pra ver se passam sonhos entre as frestas. Tudo em mim está assim: naquele tempo que é meio. Que precisa de mais coragem para ser o tempo da frente. Que precisa deixar de ser menino, e ter joelhos tortos, para ser o que vem, para descobrir quem vai ser. Procuro unir os cordões que faltam, consertar os laços e nós, porque não é bom partir deixando nada embaralhado. Afinal, vou precisar de toda força para mudar os trilhos. De uma coisa fico certa: só se vence um grande momento, seja bom ou ruim, cercado de imenso amor.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Espelho

Era isso que me incomodava em você. Eu achava que você era líquido. Que era sem horas, de patas fortes, instintos de crina. Seu pior defeito, seu maior encanto. Ser tão seu, sendo do mundo. Admirá-lo era tão possível ao mesmo tempo em que ia tornando impossível querer ter entre as mãos. Eu achava que era esse o seu problema, mas não. Só agora vi quem sou – e me alegro. Sou eu que sou livre, desculpe, sou eu que sou. Não percebi de quantas rendas é feito o meu ser, por onde o vento passa descarrilhado, e só assim posso encher o peito, recarregar. Quase esqueci do quanto preciso plainar, do quanto é aberta minha manhã, meus calos e coisas, minhas carruagens de estrada. Sou a passeio também. Meu riso é estradeiro! Sou feliz assim, de uma meninice só, convidativa. De uma falta de pertence indomada e bruta. E quando quis ficar assim, rente a pulso, foi que de fato me feri. Coloquei em risco minha natureza. Quase lhe culpei, mas foram meus grilhões que me fizeram mal, só eles. Foi essa a única liberdade que foi corrompida: a minha. Sei do que temos em comum: minhas prisões devem ser concebidas por vontade própria, o que torna-lhes também uma liberdade. Devem ser de tal forma macias e doces que eu nem sinta, que eu esteja ao mesmo tempo inteira e tão à vontade para estar onde quiser. (Como é necessária ser escorregadia para que se tenha fôlego!-conta a minha história). Veja que escolhendo estar ao seu lado, contra todas as forças, quase esqueci da minha passarela, de quanta vida escapole entre minhas falas. Do cheiro da poeira na estrada, dos olhares que acabam de aparecer na esquina. De todo o mistério, de todo o novo, que eu amo tanto e que sei amar sem prender. Desculpe, por um instante de minha pouca liberdade, quase machuquei você.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Duas considerações recentes

Sobre o amor

1. Mulheres não se apaixonam por homens. Mulheres se apaixonam por intenções.
Quanto aos homens, nem sabem quem são.

1.2 Se o amor fosse merecido, somente merecido, muita gente seria feliz de verdade ou ninguém amaria ninguém?

É só.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Duas

Estou aqui descansando do último assoeiro e pensando. Engraçado minhas contradições: minha densidade é leve, enquanto minha fraqueza é volumosa demais para se suportar. Quando existo com força, invadindo todas minhas pequenezas, de olhos tão abertos de caber o mundo, ninguém precisa conter, nem espremer os dedos para segurar. Flutuo, ainda que tomada de tanta energia. Mas se sou frágil, se esmorece o peso de mim como cachôa um balão, não são muitos. Quem pode verdadeiramente carregar? A minha leveza, de longitudinais escuros, precisa de calma. De olhos atentos, joelhos preparados. Precisa de alguém que saiba quando eu não sei viver direito. E entenda que isso não é um defeito. É preciso aprender a lidar com minha ausência por valiosos momentos. Não a ausência do que sou, mas da pessoa tanta que se conheceu. Da voz altiva, de muitos barulhos e presenças. Entender que naquele silêncio murmuroso também está tanto de mim. Que minha tristeza às vezes quer chorar, quer também ter o direito de ser, com pouca ou nenhuma razão. E essa tristeza não é mais do que o convite para a alegria.

Por trás da mulher há só uma menina. Assim como na menina mora a força estúpida de uma mulher. Quem saberá lidar com o nome das duas? Quem entenderá o pedido de um colo acalmado, quando se espera desfiles e guarda pronta? Quem compreenderá que não tendo, me tenho. Mas que tendo, tenho também o que temer – e por isso me assusto. Quem descobrirá que também perco um pouco de mim quando tenho você. Sob que olhos vou poder me reconstruir sem vergonha? Desfilo com tamanha alegria essa estranheza ímpar de mim. A borda fina circundando a flor, seu próprio limite e fragilidade. A grandeza que desfruta o sol, em imensidões transbordantes da própria língua. Com que maravilha rodeia minha existência, certa de sua dualidade, de seu equilíbrio harmônico ferido e nascido. Eu sei. Não é simples. Não é para qualquer braço, para qualquer papel ou ponta, para qualquer alma de boa vontade a arte de lidar com tudo isso. Assim como eu, há que se ter o dom que nunca foi pedido. E amar o encontro, acertar no cuspir das cores, desencantar os segredos da fala. E tudo assim: com muita naturalidade.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

De volta pra mim




Das muitas meninas que existem em mim, todas agora descansam, no fôlego largo da minha varanda branca. Me vejo assim, do jeito que mais gosto: descabeladamente feliz. Nem mesmo a cachoeira de pedras finas no fim da rua me assusta. Ao contrário: os estalos compõem o som que me adormece. O silêncio da tarde é meu. A conversa das crianças recheada de recreio, sozinhas de risos, é minha. O canto pós-chuva dos passarinhos pontuando as sensações, a cada suspiro, é meu também. Tudo, tudo que dança nessa tarde mansa – leitosa, entregue- é meu. Hoje faço questão de ser isso. E me alegro, com um alívio estendido, em não precisar ser mais.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sem explicação.


As histórias não me são perigosas quando me existem. Não, nenhuma delas. Nem quando o sol sangra lá fora. Nem quando a noite cai, me engolindo, e nos transpassando com dúvidas. Ferros, figas, dragões. As histórias me são perigosas quando me fogem. Quando escapam, somem de minhas mãos sem pontuar, me deixam em pé sobre livros vazios. Sem falas, sem choros. Eu sei viver cada linha de história, ainda bem, eu sei viver! Mas não sei o que faço com a retirada, com o vácuo que é tão presente em nós, que é quase como se fosse a própria história. Às vezes dói, às vezes ama, encorpada ausência. Esse intervalo, o lastro de um tempo não mais, me incomoda. Como se eu vivesse ao mesmo tempo duas, mal vividas: nem estou aqui, cuidando da fila da pão, nem estou lá, onde quero estar. As linhas se retiram, mas deixam os sentimentos. Esquecem os cheiros pendurados em nós. Deixam vestígios, roupas pelo chão, vez ou outra sem retrato. O que fazemos com tudo isso? Como montamos. É difícil entregar ao mundo, com a mesma liberdade com que aceitamos. É difícil ser tão líquida como a vida, deixando-se escorrer, deixando-se levar. Entendendo que tudo vem e passa e acontece, formando figura lá fora e no universo de mim. Que somos nós senão essa coisa também tão espalhada, feito o instante, feito o segundo. Somos a mesma coisa por onde as coisas correm. Com mais amor, com mais pessoalidade. Respiro, assim, como um suspiro ou um consolo, esperando do mesmo tempo que veio me trazer. Aguardo silêncios de bondes, de trens. Revivo uma despedida algumas vezes, até crio, só para ter um pouco mais. Tento descobrir como é que se faz, porque deve ser a parte de crescer. E acostumo a meus pés, de um jeito natural, a levantarem-se da última pegada, deixando cair flocos de terra, ainda tão sujos - eu diria contaminados de tanto ontem, para seguir sem paradeiro, certos apenas, desse movimento.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Poema caipira

(inspirado em uma chefe bem cosmopolita)


E quanto mais

a mulher me empurra

Mais eu enteso

Feito burro n´água

Mais o ombro prende

Mais o corpo atrasa

Porque o que eu quero

É leseira

Eu nem sei que dia é hoje

Se é sábado, domingo-feira

Eu quero é abrir meu bico

Esticar minhas Penas

Faz um sol danado lá fora

E você cheia de caramiola

Me deixe ouvir o tilintar da vida

O zinoim do tempo

Meu ritmo hoje é marcado

É um jingado quase lento

Eu quero é um aconchego de lado

Demorar na risada gostosa

Molhar meu pé, encharcar palavra

De qualquer coisa melada e enjoada

E você com essa cara

Sem entender nada

Veja, já é sexta-feira

Me deixe esticar meu cangaço

E se tiver um motivo pra rir

Descanse esse muro

Estenda esse braço

E me encontre, mulher

Que não há motivo

Pra tanto

estardalhaço.

Mesmo assim eu vou vivendo
de um jeito bom e atrapalhado
sabendo o tanto que a gente vive
e amando o tanto que é inventado.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Preciso dividir-me


E eu, como sempre, querendo parar o mundo para contar das duas taças sobre a mesa, e da maneira como o mundo de repente me pareceu escorregadio, como se toda frase fizesse cócegas e descesse deslizando pela minha pele até se enroscar, atrapalhando meus pés. Era só um dia normal, com as campanhas sobre a mesa, mas eu queria mostrar da largura do meu sorriso, do momento em que eu consegui, bravamente, fazer até o relógio de Londres parar – sorrateira na madrugada, deve dar nos jornais. Mostrar que eu sei, eu possuo a habilidade de fazer isso: mandar nos ponteiros, paralisar rotinas se alternando em carrossel, uma depois da outra. Fora isso, ainda tinha o perfume, como eu iria olhar matérias tão estampadas nas caras, tão cotidianas, bom dias tão envelhecidos, se o meu dia não tinha nada de comum? Sinto pena, tão doce alegria que nem merece morrer em mim, sem poder colocar as pernas para fora de minha boca, convidar mais umas pessoas para um papo de cordas, tomar um ar pelo buraco onde eu respiro. Alegria também quer escapar, como a gente quer, em uma segunda à noite, sem lugar aberto pra ir, sem hora permitida, com a chuva ainda assim acontecendo, e a gente inventando. Inventando sem fim. Aquela hora atípica, aquele dia intervalo, aquela liberdade quase mágica de quem sabe que a vida espera, a vida sabe que vai ser criada. E se arruma pra ser.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Para Carol levar na viagem




Sorridente movimento. Sente. Tanta alma escapando entre os dentes. Tantos meninos em um mesmo olhar. Tantas vidas em pontas de dedos, que quase grita a pele. Há tapetes de nuvens lá em baixo, mas aqui dentro não há gravidade. Só leveza, é só o que tem. Soltamos os pés devagarinho, mas algo em nós já caminha longe, pulou com o vento do trem. Apertamos papéis para que o tempo passe, vai de um lado pra outro uma conversa de caixinha, em breve seremos nós. Lá fora neva, carimba, canta, faz frio, deixa escorrer sonhos mornos pela janela. Mas não temos coragem de colocar tanta poesia por trás da cortina, espiamos tudo, metade de nós do lado de fora. E se embaça, é o respirar da vida, suspira ela. Olho para a porta: uma mala é sempre uma. É sempre pouca, porque levamos o que somos e voltamos infinitos. Nunca nos cabem as vontades dobradas em uma mala só, etiquetada. E nunca comporta as experiências, as risadas nas escadas, os silêncios entre os braços, ou pagaríamos excesso de peso. A graça é ser viajante, é ser tudo tão livre, tão presente e despedido, como passam os postes acobreados, as crianças vermelhas, os olhares, os artistas. Como rodam as músicas, os abraços. Tudo passando em volta de nós, e a gente como que girando, querendo segurar o mundo por mais instantes. (E é bom saber: uma parte dele também fica para sempre, viajando em nosso peito). Há tanto para se ver - diz para si mesmo. Voe. Eu finjo de conta que não vi. Pode fingir ser o que não é, pode viver outras, pode amar sem nem saber que ama. Sem contar as medidas, sem. Estire-se sobre uma grama. Volte cheia. Volte ainda rindo, sem saber muito o caminho de casa. Volte se perguntando de tudo isso, entretanto, será, porque quem descobre fica assim, inquieto. Quem sabe, não te encontro ainda por lá, decorando uns postais ou pintada nos selos. Quem sabe não te encontro lá, tão misturada ao velho som de um violino. Quem sabe não há cores todas trançadas na volta do seu cabelo. Porque se Paris chega a você, quanto de você derrama em Paris. Nunca mais será a mesma, não sairá intacta desse encontro, ingênua cidade. Vive. Escuta esse som desnudo: vive. Porque isso é o melhor que posso te desejar, e por sorte, é tão seu.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Para o meu gordOsho pai

Tão gratuitamente me é dado tanto
Que só em pensar
Tudo em mim é leve, é manso
Em ler suas letras posso te ouvir
Com o mesmo tom de voz e de amor,
Como se falasse na rede, há anos atrás
Mas acontece – e encho os olhos
Que hoje ainda te amo mais
Por vezes me perco na idade
Somente olho
E me parece um menino
Mas teu amor é antigo
E guarda a sabedoria
de um ancião
Como me preencho em tuas mãos
Que saudade sinto em tanto silêncio
Sonho, como sonho
em um dia ver seus cabelos se tornarem claros
Como clareia a manhã e aura
Os campos de trigo
Confessando um perfume tão doce
Quanto a poesia de sua calma
E ver que em tão lentos passos
E em tão brancas mãos
Mora ainda o mesmíssimo sorriso
E aquele que amei,
Que sempre amei,
Teu coração.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Eu penso ao invés de


E sentir essa coisa tão simples e alegrina ao invés de. Tantos medos, tanto tempo engavetado. E olhar o sol ao invés de contar do escuro que tenho visto entre as pálpebras. E esquecer da dor, ao invés de tratá-la bem, com tantos cuidados, com tantos olhares. Dor é como gente: quando bem tratada não quer ir embora. E simplesmente abraçar porções de amigos, cantar qualquer beleza da vida, a mais simples, a mais fútil, ao invés de encontrar um motivo para franzir a boca. E arranjar um espaço para esperança, afastando as mobílias do coração, ao invés de viver sem a companhia dela nem de ninguém. Quem sabe com tantos invés, a gente consiga o revés: consiga virar o peito do avesso, de forma que alma fique toda pra fora, estufada e exposta, e vendo a beleza do mundo, se renda e viva com uma vontade imensa. Quem sabe assim, tão protuberados de nós, a gente chegue mais perto de conhecer a grandeza que abrigamos aqui dentro, mas que deseja ser, desde que nasceu, simplesmente livre.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

FOGO NO AÇO
A MOÇA NO VENTO
SE FAÇO QUE PASSO
SOU LENTO, SOU TEMPO
SE OUÇO O CANSAÇO
SOU TEMPO, SOU LENTO
MAS SE DE REPENTE
DESCOMPASSO
SOU AÇO
SOU FOGO NA
CERNE DO VENTO
AÇOITE DE LUZ
SOU ILHAÇO
SOOEI, SOEIRA
SOOU, SÓ ARDE
FLAMEJA NA TARDE
SOU CORDA DE CHAMA
QUE QUEIMA
QUE ARDE
O VENTO DA TARDE
MAS QUEIMA,
QUEIMA.

quinta-feira, 4 de junho de 2009








Eu

Como eu queria que você percebesse a poesia toda que havia no meu vestido branco dançando sobre a minha pele, e na maneira suave que meus pés contornavam a areia e o vermelho, o vermelho forte da ponta dos meus dedos, tão ingenuamente distraídos. Eu queria que você visse como o vento atravessava a mim, atravessava as minhas palavras e preenchia meu espírito e meu vestido branco de tanto fôlego. Porque tudo era tão leve quanto as mínimas flores bordadas, como o cabelo pegando no cantinho da minha boca e a vontade da areia, de ficar agarrada em mim. Era dia claro, claro como o bem, e havia tanto poema naquelas cores todas que eu desejava ser aquelas cores, derramada no verde das gramas, no amarelo caído sobre as pedras frias, extasiado. Eu já sorria, vendo meus pés serem também grãos, vendo meus sonhos serem também fluidos, perdidos em mar. E pensando no dia, naquele exato instante, em que você será também eu, vendo tudo que existe no meu olhar.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Românticos

Seria uma sina dos românticos?
Mais sonhar o amor do que vivê-lo?
Tão pobres, tão sortudos amantes
E quando estão por fim aprendendo,
saindo às ruas, tal cores como são
atravessando faixas e suando mãos
beijando carne e sorrindo ventos
Quase morre o mundo de susto:
Eis que assim mesmo estão sonhando,
De orelhas em pé e olhos atentos,
Feito sonâmbulos de respiração ofegante
Enquanto tu, inocentemente
Está vivendo.

Empurrando as paredes

Tá bom, eu desisto. ( E entro num impasse: é possível desistir de desistir?). Acho que na verdade estou caindo no mesmo erro, mentindo-me, arranhando os bicos. Estou cansada de pequenezas, de morar em esquinas, nos cantos da mesa. Estou cansada de tantos vidros, antes tão perfeitos, redoma de berço, proteção da vida. Cansei. Prefiro então os cacos, os estilhaços. Quero de fato sair, quero provar o mundo, nadar os dias ou engoli-los a fio. Não tenho mais medo porque meu maior medo é continuar aqui, por entre. Posso abrir um buraco simétrico para o ar entrar, mas não. Quero eu invadir o ar, me jogar por inteira para que ele sustente o peso de mim. Ou simplesmente me deixe flutuar.
Quero ser: entregue, jogada, balanço, de peito vigente, de céu estalado, cabelo bandido. Não sei nem por onde começar. Mas cansa ser, quando ser é deixar de ser, é emudecer.

Até quando se pode fingir viver?

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Espera...


Ás vezes eu me pergunto: é mesmo o mesmo ano? Estamos tão bem, eu mal pude, e de repente, assim. Veja, é o resultado dos dias que fizemos, cada dia. O minúsculo mostrando para nós que tamanho de fato ele tem, que importância. É a soma de todas as frases não ditas para mim. São os espaços em brancos todos juntos, que você insiste em achar que eu deixei, formando um só muro pálido. Veja como nossa corda balança, como tudo parece desalinhado. Entretanto é sol, e esperamos juntos que alguma coisa seque. Que um pouco de vento quem sabe varra, com mais passar de dias, com inaugurações. Me acordo, em um descobrimento repentino, para um amor que tanto existe em silenciosas intenções de melhora.


(Deixo esse texto sem desfecho, posto que ele é somente vida, vida é o que ele é, e deseja acontecer assim, em descontínuo seguimento.)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

e em um instante, sua pele clara se inflamou, seus olhos quase saltaram, o suor frio lhe desceu pela orelha, um estrondo arrebatou-lhe o peito e em um esforço imenso, eu diria sobre-humano, a olhou.

Estranha natureza.

Um menino tão tímido de tão escandalosas saudades.

Imprevistos

Veja meu bem, às vezes o mundo está do avesso, às vezes esquecemos de pular nas costas do nosso próprio trem, deixando o vento bater forte no rosto, furando o destino com o nariz e recebendo mais vida em porções fartas de ar gelado. Eu sei que às vezes dói um doído do que a gente queria que tivesse acontecido, um desencontrado assim só nosso. Mas não se preocupe, porque afinal de contas temos tanto de nós. Temos essa coisa toda farta de um estar tão dentro do outro, de eu estar mergulhada em vãos de linhas, tão escorregando em curvas de letras, e você tão me invadindo com verdades melódicas, espaços e mãos, desejos e tempos. Há nesse branco todo do universo um ao outro para a gente rir de gargalhada nossa, pra gente falar de qualquer coisa pouca, porque nossa paixão é gratuita e tão irremediável. Veja bem como eu me derreto te olhando, como tenho vontade intrínseca de você em qualquer hora do dia, porque quando fomos feitos, nem mesmo o dia havia. Essa é só mais uma declaração de estampado alto, para você saber do meu amor por você e também por mim, que consola enfim essas coisas todas da vida, fazendo um intervalo tão só nosso em que dá prazer de existir. Te amo sem pontos em mim.

O calendário nos conhece.



E de repente, vejo as luzes todas do carrossel e os risos circulares em volta de nós, tão cheios de bocas, de música. Eu pensei que nós éramos uma pausa no dia. Sim, porque quando nós somos, os problemas com o saldo já não são, os dias cinzas já não são, o partido no peito já não é, qualquer coisa incomodando as idéias já não.


Mas nós não somos a pausa no dia. Nós somos o Dia. O Dia Esperado. Aquele que acontece em um ano místico, que reúne a força dos planetas, um encontro milenar entre o sol e a lua no mesmo traço. Somos o dia que precisa de sorte para acontecer. Somos ele. A benção do calendário. A flor das estações. A ventura dos tempos, a promessa das mães. A alegria em olhos de criança, apertados na noite, de tanto sonhar.


Nosso encontro anuncia vida. Entre tantas estações, brotamos tanto. O que sentimos ilumina, acolhe corações, nos faz ir ao chão, de tanta graça. Juntas somos tudo que precisamos. Somos um abraço silencioso e tão impregnado de amor, que continua acontecendo mesmo braços distantes, mesmo que não seja o dia único, mesmo que não haja encontro de luas, mesmo que não seja o ano místico, tão valente e vibrante em dias simplesmente comuns.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Amantes

Agora vamos rir dessa ironia. E desse prejuízo. Somos presas do nosso próprio artifício, feridos de um mesmo veneno. Sabíamos muito bem do amor mais difícil, ao qual sucumbimos: aquele que não podemos. O que simplesmente criamos. Não me estranha que seja melhor do que os outros: o que poderia ser mais perfeito senão o que leva a sua autoria? Ao contrário de tantos, ele não se alimenta de vida, da concretude dos dias, haja fartura ou tapas no osso. Cresce sem rumos e sem freios a cargo de nossa querência, da imaginação. Somos bem assim: eu te existindo em vontades urgentes e você me abraçando em silenciosos pensamentos, por convenientes vezes, quando quero me aquecer. Alguém nos socorra com crimes de fato. A arte do impossível está nos tornando perfeitos, como eu nunca saberei, nem você alcançará. Antes, derrubássemos todas as barreiras, infringíssemos a lei de forma brutal, ardêssemos em beijos, e assim, tão impunes e imperdoáveis, nos tornássemos menos amantes do que temos sido, apenas com o olhar.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Em comunhão

Eu adoro ver meus lábios ardendo, por uma gota de pimenta, enquanto arde ao mesmo tempo o sol no clarão do céu. Eu adoro sentir sua cor inflamando, seus leves traços como projetados, seu jeito alarmado e sinuoso, se enchendo de uma coisa que parece vida intensa. Ardendo de uma força estúpida e só para mim, mas doce, quem sabe, para o que lhe encosta. Os sorrisos escapam, inertes à qualquer quentura ou queimadura. Pouco se movimentam os donos, concentrados apenas em arder e pousar. Quando meus lábios estão assim, deixam de ser boca. E mora, na minha face, um convite cor vermelha.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Amor quando fala, arde.
Amor quando falta, cala.
Amor quando cala, arde.
Amor quando arde, fala.
Amor quando falta, arde.

Amor quando cala, fala.

Caso de Polícia

Que é isso, estranho? Alguém a avise que não pode ficar aí, que é propriedade privada, protegida por lei, com autorização para reboque e expulsão. Que tamaho de absurdo, minha gente, quem deixou essa coisa mínima entrar? Essa vontadezinha, vontade de chorar. Avisem que não há lugar, alguém a socorra, porque sou apenas o segurança, de nove às onze, já fui cabo, já fui polícia, não tenho jeito para lidar. Minhas palmas são grandes demais, veja, e essa menina é isto. Interrompa o exército, mande segurar os guardas, abafar a sineta de alarme, conter os cães. Há uma invasão de uma vontade de chorar, uma vontadezinha, em um peito particular, de impostos pagos no vencimento. Mas não há motivos para alarde. Já há gente convencendo-a a voltar, e ela prometeu não fazer destruição.

De todo modo, coletes à mão.

Soprados

Sim, como dóem. Como ardem. Meus ventos de dias quase domingo vêm assim. Precedidos por vulcões. Por colapsos e choros. Montes e lágrimas. Sou eu que os crio. Digo assim, com o assumido de uma criança. Porque minha habilidade de areia é pouca. Ainda não aguento ser muito tempo como água doce de rio. Eu não sei ser. Eu sempre tive mais medo da calmaria – e ainda o tenho. Das ternuras que as varandas nos provocam, o pouco ou o muito de sentir. Minha alma é tanta que em nada é mansa. Até amor sente demais, até a paz é imensa até que lhe sufoque. Explosões. São meus remédios de ser. Pequenos espalhaços de mim. Pequenos livramentos de mim. Doações gratuitas à natureza, aos tetos, de infinitos intranqüilos repletos de minha alma. Pedaços de mim flutuando, há quem os reconheça. Sufoco e suspiro. Prefiro ser assim, espalhada. A manter um olho de ventos no centro do peito.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Se

Se você não fosse assim
Se eu não soubesse
de você assim
Se tudo fosse de outro jeito
Mas a gente fosse
desse mesmo jeito
Se não houvesse
Esse mundo de se
Se nosso se virasse sim
Você ia ver se a gente
mudava alguma coisa
ou se achava algum defeito.
Ah, SE ia.
Folhas. Eu as amo, folhas. Eu amo vocês existindo puras, contra esse céu branco. Em uma pintura dessaturada, mesmo em cores de meio dia. Folhas, eu amo sua rendição. Amo seu desenho tão plástico, seu lindo penteado na tempestade, todas as centenas arrumadas para o lado direito, como uma carícia de cabelo. Como amo sua revolta. O balançar por mais revolto me soa como poesia. Eu também sou o branco que as cobre, folhas. Eu também sou imenso, sou o vento que as engole. Estamos tão juntas, tão emaranhadas, que tenho o seu mesmo cheiro de mata virgem molhada, tão encabrunhado na pele, tão intenso no hálito. Amamos-nos na pureza toda e na nudez da natureza. E estamos serenos, de olhos abertos, completamente entregues aos repuxos do vento, ao seu jeito indomável, seus impulsos e sabedorias. Apenas dançamos, vendo em tudo poesia.. Como as amo nesse céu de inverno. E agora sou também ela, sou a chuva que nos pinica, que nos invade calma e plena, ensopada de razão. Eu sei, eu entendo, porque agora também estou derramada, sou água que desce pro mar, rolando no chão.

Teimar - há que se praticar

A teimosia movimenta a vida. É um levante contra as águas do destino, uma fronte diante de tudo que é certo e estabelecido e organizado. A teimosia é uma arte, meus amigos. É a vitela da criação, um segredo da própria vida – para que você pense que ela está indo contra ela mesma, no entanto está rindo alto e se refazendo. Não tem liberdade maior que largar os braços, ou suspendê-los de tanta ironia. Não vou fazer – é o que dizemos todos os dias, é o que noite diz quando lhe pedem pra acender agora, é o que as horas respondem indo ao contrário da memória, é o que a gota de choro pensa quando insiste em não cair, é o que vento responde à sua tentativa de se arrumar, é o que as formigas falam contra o peso dos homens. Sem teimosia nem terras, nem explosão, nem pêlos. É se negando que se faz o novo, que se abre a boca da vida para fazer ela contar todas as suas intenções, a custa de muita risada de nós. E nunca se sabe aonde a teimosia vai te levar afinal, porque a primeira pessoa que ela contraria é a ela mesma, inventando um novo destino. É por isso que são uma da manhã e eu insisto contra a pálpebra, contra o tempo, contra o cansaço, contra o trabalho no outro dia porque meu prazer é teimar, é futucar a novidade com vara curta e irritar com mania de sim. Sou eu mesma que sofro com o cansaço, é meu, mas rio satisfeita, vendo o mundo ainda se surpreender, achando que podia usar o verbo agendar para mim.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Comunicado

De forma, prezados senhores, que eis a única coisa solene, justa e respeitosa que posso lhes aconselhar:
Que a sua forma de pensar não se torne uma fôrma de pensar.
E que o mesmo aconteça com sua forma de sentir.
Tenho dito.


(E disse isso em assembléia, usando unicamente sapatos lustrados)

terça-feira, 19 de maio de 2009

Feliz Ano Novo

Precisamos ter uma conversa, e esteja sabido que é urgente, daquelas entre nós que desafogam a alma e desatam os nós. Mas acontece que é noite, e não se dorme direito depois de uma conversa dessas. E amanheceremos. Então que no outro dia houve a lástima de termos perdido alguém. E esquecemos muito bem esquecido por um dia, praticamente inteiro, porque há tanto que se valorizar a vida em si que já não importa conversas quaisquer. E então que era quarta, e deu uma grande preguiça de conversar, melhor comer frituras, todos achamos. E chegou o sábado, e ninguém interrompe um dia de alegrias desses, de tarefas voluntárias e imensos afazeres inúteis de grande prazer, como balançar os próprios pés, para isso. E aconteceu do mês passar e só havia mesmo que se preocupar com as contas, contas do próprio mês. E então que eu casei, e não se fala em conversas dessas em brindes de bodas e debaixo de uma chuva torrencial de grãos de arroz, não cabe. Mas era necessário conversar, era sim, porque ninguém gostaria de entrar com isso no ano novo, antes livrar-se no velho mesmo. Mas acontece que só restam dois segundos. Dois. Um. Feliz ano novo. É tudo que foi dito.

SONO

De maneira que acho demasiadamente injusto pequenas pálpebras carregarem tanto sono. E pessoas tão pouquinhas, levarem sonos tão obesos nas costas. Fico pensando o que faz o mundo as obrigar a caminhar assim, com uma sacolinha de volume tão menor que o próprio sono, sendo obrigadas a arrastá-lo a punho pelo trabalho, pelas ruas e avenidas, pelas faixas de pedestre, pelas passarelas, ônibus às oito e meia, ventos de praia e almoços com mosca. Sim, é uma desumanidade, visto que são tão pequenas, magras pessoas, e levam todo o sono que lhe és imposto nas costas, até o sono do próprio patrão, já que mais um café, outra reunião, um novo telefonema e cara de ameaça nos mostram que não há nunca neles, em tempo algum, uma vontade ainda infantil de dormir. Antes, a distribuem de maneira igualitária entre seus funcionários, que, ociosos, a carregam tristemente, sem receber sequer um ajuste salarial por isso. Fica aqui o meu protesto manso, porque mesmo que fosse alto, não acordaria tamanha dormência, só mesmo um grito de sábado ou feriado instituído de repente numa quarta-feira. Só os aviso para que não aconteça, de em uma semana qualquer, os funcionários também se revoltarem e largaram sobre as mesas de seus patrões dezenas de toneladas de sono, de forma que a empresa boceje e que o patrão não consiga carimbar o aviso prévio, nem mexer sequer o mindinho de tanta preguiça.

O mundo que é seu.

E aconteceu que ela me falou que podia mudar o mundo. Como assim mudar o mundo. Mudar o mundo assim ter o mundo que é seu. O que você quer do jeito que você quer. Veja que essa casa nem sequer precisa estar aí, veja que essas ruas podem ter a abertura da boca de um lobo e que poderia ter massinha de modelar de tons bem infantis nos rejuntes dos prédios. E que se necessário fosse, eu poderia arrancar o nariz, duplicar uma das pernas, estender os lábios assim, na direção do sol, agudos e apontados. O que você quiser, você. Perguntou porque eu não estava fazendo isso a mais tempo. Olhei com os olhos. Parei por um instante concentrada em meia dúzias de folhas verdes tão riscadas sobre mim. Voltei e então vi que ela estava cercada por centenas de cabritos, dezenas de cabritos branquinhos, feito flocos de algodão. Tão feliz em ser um neguinho de pastoreio, ali, naquela avenida.

Demais para uma pessoa só.

Ela foi morar com ele. Não bastasse o sei lá o quê que o bendito tem na pele, que faz qualquer mulher, sendo feita no mínimo de uma camada de adesivo, queira grudar até os fios de cabelo no suor de suas costas. Não bastasse o cheiro que entorpece, a recusa que é quase uma ofensa, a perdição total e plena dos próprios direitos quando entramos na casa de sua língua. Não estivesse bastante o pouco caráter que às vezes só ajuda em sua propaganda, típica de posto de gasolina. Agora isso. Lamentam todas. Agora ela foi morar com ele. Ela, a voz rouca, ainda foi morar com ele.

Entrelinhas

Resumimos-nos ao “bem também”. E o meu "bem também" incluía: tenho tanto pra falar que prefiro nem falar nada, também não sei se entenderia e se viria ao caso eu querer falar de tudo agora, mesmo sabendo que você tem interesse. E o dele "bem também" incluía: você anda sumida e responde pouco, mas não vou me estender perguntando porquês, nem puxando assuntos triviais ou você vai achar que eu insisto em você, e só em ver sua resposta já acho melhor ficar calado, embora tenha mesmo, tenha tanto a dizer. E assim encerra-se o diálogo fluente de palavras não ditas.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Foi então que ela, se dando conta, se debandou da casa, abriu aquela cerquinha de madeira, levantando de uma só vez folhas e ventos, e me vendo ao longe no caminho, deu um grito todo branco:

- Menina, o amor te ama!

E até hoje se escuta, até hoje.

domingo, 17 de maio de 2009

Luise

Esse texto é um Grande Presente que ganhei de um amigo, Daniel Borges, tão lindo quanto sua alma.


Luise

Numa tarde nublada de outono, entre abril e maio, sentado num banco de praça, observo as folhas, que, tendo cumprido seu ciclo, caem secas sobre a terra molhada. Vejo velhos enamorados, jovens jogando damas, e crianças... Por entre as amplas copas de amendoeiras centenárias, de grossos troncos e longos galhos, alguns poucos raios de sol tocavam a pouca grama que ainda havia no parquinho infantil. Iluminada sob o sol, vejo uma menina aparentando 8 anos, com um lindo vestido vermelho de vários tons, de estampa simples e bordado singelo, sapatinhos de boneca, traços finos, cabelos negros, nem cheios nem vazios, e naquele quadro de Renoir, o que mais se destacava eram seus olhos, grandes e arredondados de um castanho escuro e um brilho...brilho só encontrado em olhares de criança. Ela olha pra mim e sorri sem razão; vira-se, e ali naquele ponto, sobre a grama e sob o sol, fecha os olhos, abre os braços, levanta a cabeça e deixa-se banhar de luz. Havia uma dúzia de crianças ali naquela praça. Todas cheias de mimos, vontades, medos, todas tão carentes de atenção e querendo tantas coisas ao mesmo tempo... mas não aquela menina, aquela menina não... Algumas pessoas vivem uma vida inteira e continuam pensando que viver é movimentar os corpos, que é preciso intensidade, paixão e mesmo quando tudo está perfeito parece que ainda há algo a ser feito... outras descobrem, ainda muito cedo, que viver é encontrar a luz e descobrir-se nela, e, deixando-se preencher por ela, naturalmente transbordam. Aquela menina me deu algo muito especial quando sorriu pra mim. Percebi, não muito longe, um vendedor de balões. Aproximei-me dele, tentando não desviar o olhar da menina, comprei um balão vermelho e segui em direção a ela; sem dizer uma palavra, coloquei o cordão do balão em sua mão, ela abriu os olhos, delicadamente, enquanto volta-se para mim, sorriu uma ultima vez, e voou...

Paris para ela

Paris é para os que amam. Ou para os que amam o amor. Ou para os que amam o cheiro do amor que está para nascer, impregnando postes de rococó cobertos de orvalho. Paris é para os sonhos que não anoitecem mas se apaixonam pela noite. São para os infantis. Os despeitados. Os limpos. Os adores de borra de café. Existe uma Paris em cada língua de amantes, em cada hálito de despertar, em cada pedra de açúcar ou bula para risos. Paris mora sozinha para ser o encanto dos amados. Dança, escuta o som entristecidos dos violinos, clareia sobre a lua imensa e amanhece. Entretanto, tão solitária é a terra de tantos pares. Porque nunca haverá, e ela sabe, outra igual.

Doação

E então, por um instante, tudo se clareou e eu compreendi, com uma simplicidade bonita. A única e melhor coisa que eu poderia doar era essa: ser tudo que sou. Ser tanto, de uma forma tão plena e tão destemida, tão aberta e tão desabrochada, que chegue ao ponto de poder me ser para os outros.

Contra a Solidão

Contra solidão, o remédio do seu próprio veneno: mais horas consigo mesmo.
Lida-se com a solidão estando intensamente com você, depuradamente com você, até que não haja espaço para mais nada, nem mesmo para sentir o sentimento de falta. Intermináveis momentos de auto-amor, de brio com a própria cara, o zelo merecido. Honras ao seu nome, doçuras ao senhor da certidão. Privilégios simples: se dar de presente letras que falam aos ouvidos da alma, se doar para um silêncio tão rico da noite, deitar os olhos com uma música que sozinha dança em você. Fazer um mínimo ato, de natureza de olhos, mãos, nariz ou peito, que tenha a virtude de ser tão próprio seu, tão legítimo de sua vinda, que lhe faça repousar da vida em qualquer comunzisse de tempo. Tudo para que você possa, enfim, estender os braços se alinhando com a Terra, e com um sorriso tão reservado de satisfação, agradecer por pertencer àquele momento e aquele momento pertencer tão inteiro a você.
Simples, feliz e grato, estando calmo ou de sutil alegria, você perde então a noção das horas e do dia, e vive para seu próprio deleite. E nesse gesto de carinho genuíno com você somente, vamos enchendo o peito de estranha felicidade e, docemente, ferindo as pernas da solidão, até que ela mesma tenha o que temer.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Mensageiros do tempo


Existe um povo que vive. E vive simplesmente. Mas existe um povo que avisa. Que é luz de beira de estrada, é telegrama do destino, balcão de informação da vida. Tem gente que está no lugar certo, na hora certa, para lhe confirmar o caminho, lhe dar os suprimentos de viagem que enchem a barriga d´alma e aquecem as inquietações, feito uma manta encomendada. Gente estratégica. A palavra dessas pessoas é farol em noite de neblina. Chegam simplesmente sem avisar e estão lá, não por acaso, mas já esperando por você. O que você recebe delas não é nada menor do que a voz do universo. A resposta às suas indagações, o bilhete da passagem que vai te deixar na próxima estação, nesses trilhos horas tão duros, horas tão difíceis do caminho do crescimento. A essas vozes mansas, que atenuam corações e olhos dilatados, que são a notícia boa que viaja, mensageiros do tempo tão bem disfarçados pela despretensão, meu mais sincero agradecimento. Vocês são o marco de passagem em minhas páginas. O que encontrei nos olhos de vocês é luz para levar com os meus. Sigo com a certeza de que o encontro leva apenas o tempo necessário – a caminhada com os próprios pés prossegue sozinha – mas aquilo que recebi permanece agarrado a mim, por milhas infindáveis e tempos que me esperam, em um destino sem nome anunciado, mas aguardando com ansiedade o meu.



Dedico esse texto à Rose e a todos os amigos que me agraciaram com o mesmo papel.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A mulher que vive em mim.

Pouco me importa o que você pensa de minha aparência. Porque sou segura enquanto mulher. Pouco me importa o seu porquê entre os fios do meu cabelo, seu ar esnobe, seu desdenho. Não quero saber o que seus olhos têm a me dizer – porque palavra de olhos seus é rasa, é tão pouca de morrer entre a íris e a claridade, entre uma piscada e outra. Você só sabe ver o que está visto, até sua língua dança sobre o tédio. Não me importa mais o que você pensa sobre mim, sobre o desarrumado do meu cabelo, sobre a virtude da minha pele, meus passos, aquilo que exala quando existo sem fim. Não me importa porque sei a mulher que sou. E entenda: o meu conceito de mulher é que é grande, o meu conceito tão diferente do seu. Ser mulher para mim é saber imensamente. Coisa que seus olhos, seus dentes, seus ombros estão muito longe de alcançar. Sou a mulher que sinto. Sou a união de todas, transpiro em mim todos os punhados de luz. Meu cerne está firme, não se ampara no que você diz, nem no que vem dos dedos, seus medos, seu verbos sem freio. Sou o que vem do meu ventre e o infinito em mim não me escapa. Minha beleza por vezes é mansa, mas aquilo de que sou feita tem força incomum. Se tenho que confiar em algum olhar, confio no meu, que vê além da claridade.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Tinha um rosto masculino. Uma alma tão doce com um rosto masculino. Aquele contraste me chamou atenção. Ela caminhava assim, e quem a conhecia de vista, só podia ver a armadura que a própria vida lhe deu. Vai ver para esconder tanta doçura, vai ver por uma distração do destino ou só para mostrar quão imprevisível a natureza pode ser. Bastava trocar algumas palavras para ver como se derretiam, olhos, braços, queixo, corpulência. Tudo se tornava uma doação de amor, uma singeleza de viver. Ela, de rosto tão masculino, conseguia transformar o tempo em um tempo feminino, um vento todo feminino, o dia em feminino, o socorro em feminino. Com suas delicadas mãos, ela impregnava nossos encontros com a calma e a gentileza que pouco se vê pelo mundo, fazendo com que todos, um a um, quisessem deitar sua alma naquele jardim. E mudava, assim, o rosto da própria vida.

Engenharia da vida

Minhas unhas não caem. Não caem. Não me deixam nua, desamparada, em choque com aquela nova situação, tão estranha. Na sabedoria da natureza, a unha nova vai substituindo a antiga, nascendo calmamente e empurrando a outra com o máximo de discrição. Foi aí que me dei conta da minha própria natureza. Em como eu estava vivendo a mesma coisa, dentro de mim. A antiga Luise não descolava, feito uma tampa, enquanto eu andava pela rua, me deixando para sempre livre dela. A mudança era artesanal, meticulosa. Eu não era a pessoa nova que nascia, branca como carne de unha, viril e tão cheia de beleza. Nem era o escurecido da pessoa velha, tão dolorida e estranha, sendo empurrada pelos dias. Eu sou a mancha, a mistura. Sou o exato momento em que as duas existem juntas, a passagem – e há tanta beleza na feiúra. Eu sou o manchado que dá forma à transformação, sou a própria delicadeza da vida em me reconstruir. E existe de uma forma tão bonita tanto das duas em mim! É verdade que às vezes minha parte antiga também me doí, feito unha encravada, e eu me confundo. Mas ela é também morta, tão morta quanto o tecido de uma unha, e o fato de ainda estar agarrada a mim não a faz viva. É o contrário da outra que tem o fôlego novo de quem nasce e não pede permissão para chegar, ganhando seu espaço dia após dia. Sorrio de canto ao ver tanta beleza nesse estado, na manufatura da alma, na engenharia da vida, e passo a confiar mais no que a natureza planeja. Mas nem sempre nos conta.