domingo, 19 de abril de 2009


Eu queria que você me acontecesse em um Café Literário. E entre o som tão hipnótico de todas as palavras, eu encontrasse, entre vírgulas, o seu olhar. E de repente, nem mais um verso, nem mais uma rima, ainda que toda prosa, nenhuma frase interrompida ou respeitoso sermão. De repente só o discurso desenrolado e cheio de improvisos do nosso silencioso sorriso. E só a calma percorrendo a sala, como um amor que corre sem linhas, contornando tantas aspirações. De repente uma brecha, nessa nossa paixão tão literária, para um encontro de amores não-desenvolvidos, não vocabularizados, nos permitindo suspirar um poema inteiro, todinho feito de intenções.
A escrita não teve em mim um nascimento (se teve, desconheço). Creio que achou de se agarrar em minhas entranhas, de voluntariamente se misturar em minhas sedas, e de tão apaixonada, sem causa ou razão, pela minha pessoa, se tornou um emaranhado de mim mesma, e me acompanha em toda soma de emoções, em todo soluço de vida.
Talvez as noites chuvosas sejam para isso. Para abrir a janela de dentro, ver se há mais paz ou tristeza. Se há alguma mágoa, a poeira de alma. É uma emboscada da natureza, uma pausa para se refazer. Um remédio pra quem desconhece o próprio espelho, as mudanças do seu cheiro. É um favor do tempo para que se possa criar coragem de viver consigo mesmo. Não quer dizer com isso que o silêncio cure de imediato ou que a chuva lave a dor que se apresenta. Mas o papel de tanto escuro é clarear. A função de tanta gota é transbordar. Alguma coisa aí, dentro de nós. Quem escuta a chuva, com resignação, aprende a ouvir o próprio canto. Tateia a paz com a ponta dos dedos, descobre a forma que tem. Fecha os olhos com calma e reúne o corpo inteiro, num abraço que aquece. E aproveita, em céu tão nublado e horizonte tão turvo, para enxergar com singular clareza como anda o seu caminho.
A arte de viver está no seio.
Deixe que corra
sem lares, sem modos,
sem freios.
Há que se amar o amor
no ontem e no hoje

e em cada instante.
Porque o amor é o mesmo.
O que muda
é o semblante.