segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

entupido

Todo mundo traz uma aflição dentro do peito

- sem número, nem metro, nem tipo

e hoje, nesse dia cor de negro

Esse menino embrulhado de passado

quer vir à tona, cheio de saliva e de sangue

e de tanto empurrar o meu peito

parece que vai me arrancar o hoje

parece que vai me levar junto

em seu desejo de partir

o menino é o dono de minha angústia

Todo mundo tem um pedaço amargo de caminho

que arrasta por entre uma madrugada de dias

sem um motivo que pareça ser real

todo mundo lá no fundo

quer fazer as pazes consigo

quer se pegar no colo por uns minutos

e dizer umas palavrinhas que costumam sarar

na verdade, parece eu tenho um motivo pra chorar

mas um motivo longo

que não seca quando suas lágrimas acabam

e vem aquele ventinho frio do alívio

parece que sempre volta meu motivo

em qualquer cair das seis...

Todo mundo ama sem precedentes

mas alguns choram uma dor fora do hoje

alguns sentem uma angústia de não caber

que não assenta em canto nenhum da garganta

a minha hoje está pedindo para nascer

como nasce em mim a mulher nova

a minha quer se despedir de mim

e não encontra forma

hora nenhuma, por mais abanar de braços

tentou até escapar por meio

desses fiozinhos de poesia

como se pudesse correr para sempre.


domingo, 17 de janeiro de 2010

Toda de contas - arte de crescer

Meu deus porque estou atenta

E costuro minha alma feito

Colcha de fuxico, das que cobrem o sofá.

Vou amarrando aqui, enchendo de pontos o outro lado

Vou acertando até que a linha

Esteja pronta, esteja certa

E de tão estirada e estufada em seu vermelho

Seja o caminho macio para os meus passos

Claros

Vou costurando sem pressa, com amor

Sei do que são capazes os bordados do meu sonho

Sei da delicadeza com que arremato a minha alma

Sei do que contam as estampas

Que gentilmente escolhi

Nesse acolchoado da vida

Sou uma tecelã, minuciosamente atenta,

Que algumas horas dá um ponto fora da cruz,

Que por um segundo, fura a ponta do dedo

Mas que devolve os mesmos olhos de amor

E volta as mãos antigas para o tecido,

Como se fosse um carinho levá-lo ao pé da agulha

E vai ficando bonito o desenho

Porque tem o cruzado forte de quem já andou

Aprendendo – e se pode ver

um colorido, desembaraçadamente bonito

Que parece que muda de tom

Cada vez que avanço mais um metro.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Pousado.

E eu olhava amando

Como se amar fizesse risca

E fosse contornando

Com uma gentileza despretensiosa

O tracejado do seu rosto.

E eu olhava amando

Como se amando pudesse cobrir

Em um entapetado de beijos

O que não era visível

Mas que estava amando olhar

Entre um assunto e outro.

E eu escutava amando

Como quem abraça as palavras

mesmo sem ouvir,

Como quem ouve música

De uma língua qualquer,

E se cobre com um som

por ser apenas familiar.

E eu esperava,

Apertando as minhas mãos,

Por um momento em que

O momento ficasse morno

Com uma mão pousada sobre a minha

Como uma eternidade de paz

Pousa sobre uma pessoa.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Agudos

Tem Dor que só sai num abraço

Apertado, apertado

Como se pudesse estourar a angústia

Até escorrer o fiozinho da paz.

Tem silêncio que só acaba com sim.

Tem verdade que só sai com água.

Tem criança que nunca quer ir embora,

Mesmo passado das horas no relógio de ponto.

Tem mudez que faz barulho alto no peito

E não deixa dormir de noite.

Tem saudade que só passa esfregando

Um no outro.

Tem vergonha que só passa se olhando

Tem medo que é tão forte

Que veste roupa de realidade

E a gente já não sabe quem é quem.

Tem a solidão que isola

e a que se enrosca nas pernas do outro.

O que não tem fim

é esse vazio

Que cabe tanto,

Que cabe tudo

De letrinhas calejadas de amor

A sentenças de alguma paz,

Até o assentar do dia.


*Inspirado na frase de Rodolfo Barreto " Saudade só sai esfregando um no outro"