quarta-feira, 8 de julho de 2009

A terra de São Jorge


Eu vi os olhos do menino cheios de cidade. Molhados de um verde manso e morno, que se deitava sobre as pedras, à borda da areia. Eu vi a luz nos olhos no menino. Que atravessava o céu e atravessaria os anos, bordando de prata uma orla sem fim, com um farol tão imponente quanto a noite. Vi a língua da cidade sobre as ruas. E como deixava tudo brilhando após sua passagem, até o coração do menino. Nesta cidade tudo tem beira, uma beira de cores perdidas entre tanta azulância e brandura, mas nada tem final. Pode-se caminhar pela margem, mas vê-se que a cidade é infinita, suas águas se estendem fartas, para que não haja dúvida de quanta riqueza foi dada a essa terra. Vi que o balanço do barco era manso, e com ele iam nossos sonhos adormecidos, hora tão meninos, hora tão futuros. Vi que o menino se enchia do amarelo dourado das comidas, do colorido de uma gente que borda alegria em cada renda, em cada prato, cada retrato. Vi que o sol não queria ir, decidido e imenso, e permanecia cravado na varanda das águas, fazendo tarde calma, fazendo ouro do mar. E o menino via o sol, e como ele, também não queria ir. Vi os caminhos de pedra, com um cheiro todo ele de história, que levantava-se rebelde quando chovia, entranhando-se nas pessoas distraídas de tanto presente. Vi a alegria do menino estar na alegria da gente. O gosto forte da cidade ardia sobre a boca, alagava os olhos, como um maço de pimenta mastigado por pura vontade, com toda força, até o fim. Era tarde, e como a noite caía, deixando somente a luz das casas formar um colar de contas sobre o mar, parei para ver. Deixei então escutar os risos, que desciam as escadas junto com o jazz, e os olhos, que se perdiam em tanta coisa para ver. Vi que, por um minuto, aqueles olhos eram também horizonte, se arrastando pelo chão, querendo levar em um só carinho pedra, frio, cores, meninas, cais. De tudo que vi, percebi que quanto mais crescia a cidade, em sua alma enlarguecida, maior se tornava o coração do menino. Este era, desde o dia que chegou, como o pórtico de ferro largo e envelhecido, aberto de tanto amor, atravessado pela gente e pela felicidade do vento.

A essa hora, para o menino, cidade era saudade.